Cidadania Idoso

Na percepção do Idoso, o caminho para a felicidade.

Helio Abreu Filho
Advogado, Administrador , Sanitarista e Mestre em Adm. Pública.

Todos possuímos uma imagem do idoso formada a partir nossa experiência ou daquilo que nos é repassado pela família, pela sociedade, enfim, pela nossa cultura.

Todo esse processo de experiências pelas quais passa o idoso pode ser reunido, segundo Schons(1), em seis grandes grupos de atividades a saber: físicas e recreativas, familiares, sociais, políticas, culturais e beneficentes e religiosas.

Estas atividades desenvolvidas pelo ser humano atendem a cinco patamares de necessidades, as quais, para o grande representante da Psicologia Humanista, Abraham Maslow, podem ser visualizadas sob a forma de pirâmide.

No primeiro patamar (base) situam-se as necessidades fisiológicas, que, uma vez satisfeitas, as aspirações do indivíduo passam, automaticamente, ao patamar seguinte, o da segurança (manutenção da vida), onde se localiza necessidades como o trabalho, os benefícios sociais e financeiros.

Só depois de atendidas essas necessidades básicas, fisiológicas e de segurança, passa o homem a buscar a sociabilidade e o afeto, o que se torna manifesto quando o indivíduo afilia-se a grupos, clubes, ou até mesmo quando pratica algum ato de generosidade visando aceitação social. Quando esse anseio de camaradagem é satisfeito, a saúde mental do organismo volta a condições mais satisfatórias, quando não, abre-se caminho para desajustamentos graves.

O nível seguinte é o da estima e reconhecimento, que abraçam o campo do exercício profissional e do convívio social. Esse nível representa a conscientização da própria importância para os outros, e o reconhecimento pelos outros. Elimina-se aqui o sentimento de inferioridade, ou fraqueza do ego, elemento de síndrome de muitas neuroses, porque em seu lugar instalaram-se a auto-confiança sadia, o prestígio, o merecido respeito.

No ponto mais alto da pirâmide, Maslow situou a auto-realização, que depende do que a psicologia chama de nível de realidade, o que requer boa dose de análise da vida e de seus momentos, de auto-avaliação e, acima de tudo, de auto-conhecimento. Trata-se do desejo de se tornar cada vez mais o que se é, de tornar-se tudo o que se é capaz de ser, que nos leva a tentar a aplicação máxima de nossos talentos e potencialidades para servir à sociedade, e aí independe da posição social na qual estejamos inseridos. Neste patamar, ao que parece, situa-se a felicidade humana, um misto de conquistas materiais e transcendentais apreendidas no transcurso da vida.

Quanto maior a busca por necessidades primarias e menor pelas afetivo-sociais, mais distante encontra-se o homem da felicidade. E, inversamente, quanto maior a faixa de metanecessidades e menor a de necessidades de faixas inferiores, maior a oportunidade de se aproximar da felicidade, que se alcança quando presente o sentimento de saciedade.

Convidado pela Coordenação Regional da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social e da Família/SC a proferir palestra para grupos de idoso em vinte e dois municípios da região da Grande Florianópolis, resolvemos fazer uma experiência.

Propusemos aos idosos, para os quais palestravamos, duas perguntas. A primeira – quem é o idoso? Após respondida e anotada as respostas, seguia-se a segunda: – quem é o cidadão?

Na primeira, o idoso foi identificado por expressões dicotômicas como: uma pessoa com mais de sessenta anos, aposentada, triste, alegre, dependente, trabalhadora, experiente, cansada, divertida, que não faz sexo. Ocorreram tentativas de se registrar, como resposta a expressão – ‘o idoso é cidadão’. Não efetuamos o registro desta resposta, informando ao respondente que o assunto ficaria mais claro a seguir.

  • Quadro 1 – Percepção do idoso sobre a pessoa do idoso – consulta pública em 2001 (2)

Q1

Na segunda pergunta, o cidadão foi considerado como alguém cumpridor de deveres, que tem direitos, que é trabalhador, sábio, participante da comunidade, que tem filhos, possui salário, ativo, experiente. Foram 97 respostas de idosos compartilhando uma visão otimista da pessoa do cidadão (ver Quadro 3). Ato contínuo, perguntamos aos idosos o por que de não terem identificado a pessoa do idoso com o mesmo perfil estabelecido para a pessoa do cidadão. O que teria motivado a identificação do idoso com o perfil de uma pessoa ‘tadinha’, necessitada, carente, já que esta era a situação presente em quase 50 % das respostas (Quadro 1).

Na reflexão que se seguiu os idosos buscaram justificar-se de diversas formas, mas havia um fundo comum nas respostas, a questão cultural. Este esteriotipo do idoso ‘dependente’ está presente no adulto, que o repassa aos filhos. Esta incorporação social da questão da ‘dependência’ ocorre, segundo manifesta Nara Costa Rodrigues3, porque há muitos mitos e verdades sobre a velhice. Vejamos algumas situações nas quais isto transparece:

  1. A memória diminui com a idade – ela não diminui, mas modifica-se.
  2. A inteligência diminui com a velhice – não diminui, salvo que haja uma doença mental.
  3. O velho não aprende – não é verdade.
  4. O velho é desatento, não presta atenção em nada – ele não presta atenção àquilo que não lhe interessa.
  5. O idoso perde o interesse e a capacidade sexual – não é verdade.
  6. O velho deve ser assistido e permanecer na família – nem sempre.
  7. O velho não tem futuro, já deu o que tinha que dar – mentira

Para Zimerman(4), ao longo da vida o idoso aprende a conviver com suas doenças crônicas e próprias da sua idade; elabora suas perdas, não esquecendo seus ganhos; dribla os preconceitos e aprende a utilizar seu tempo, curtindo a vida, gozando as coisas boas. Esta dicotomia encontrada nos depoimentos dos idosos, incluso os catarinenses, provavelmente decorre daí.

Aliás, as atitudes se formam em função das normas e dos valores dos grupos sociais e da sociedade em que se vive. Nas diferentes culturas, os idosos desfrutam de status variados.

E como mudar ? A chave está na própria família, por meio da educação e da sensibilização para a importância de se discutir o relacionamento entre jovens e velhos. Nesse sentido, ganha consistência a manifestação do Papa João Paulo II 5 que pretendendo a proteção destes frágeis membros da sociedade, exalta o princípio da solidariedade – que deve ser estabelecida entre gerações -; o reconhecimento da capacidade do idoso – que deve ser considerada pela sociedade -; e a educação para o envelhecimento, que deve ser buscada por intermédio de programas formativos.

É por isto também que na composição do conceito do termo idoso devemos considerar: (a) normas e valores dos grupos sociais e da sociedade; (b) a idéia sobre velhice transmitida de geração a geração, e; (c) a própria postura do velho. Presente assim a co-responsabilidade da sociedade, dos jovens, da família e da escola, sem esquecer o papel do idoso na transmissão dessa ideologia. E o diálogo entre as gerações exige o respeito, a comunicação e o afeto, permitindo-se a um, colocar-se no lugar do outro. Perceber o outro, interagir com ele nas atividades, crescer e compartilhar, possibilitam o surgimento, na maioria dos grupos religiosos cristãos, de uma visão existencial preocupada com uma nova ordem social alicerçada no amor, na fraternidade e na tolerância. Valores intangíveis materialmente, mas componentes da felicidade. Não se é feliz se não se partilha esse sentimento com o outro ou os outros.

Nara Costa ao apreciar as atividades desenvolvidas pelos idosos, na construção de seus espaços, na busca da felicidade, sugere sua sistematização em seis grandes conjuntos.

A localização dos idosos nestes conjuntos informa o momento que estão vivenciando: se mais afetivos, mais reflexivos, mais sofridos, (…). Isto permite estabelecer estratégias de apoio aos grupos de idosos.

Vejamos o que informaram as anotações feitas nos eventos de 10 (dez) municípios visitados.

  • Quadro 2 – Percepção do idoso sobre sua condição – Visão otimista, conforme classificação proposta por Nara Costa Rodrigues.

q2

O quadro demonstra uma vocação dos idosos para as atividades culturais e políticas e uma leve preocupação com a benemerência. Este quadro traduz a busca do reconhecimento, da aceitação de seus limites (reduzida citação de atividades físicas) e demonstra a presença dos aspectos inconscientes, valores éticos, morais e religiosos.

O fundamental, para o idoso catarinense, é que os homens aceitem a velhice com dignidade, tendo por base o amor à vida, o equilíbrio emocional e a maturidade do seus valores.

Segundo a Filosofia dos Valores, apresentada por Valle(6), o homem reconhece-se como um ser em carência, e preenche suas carências ou seus valores escolhendo seres, ou elementos, que ele julga possam atender suas lacunas materiais, físicas, morais, afetivo-emocionais, espirituais. Nem sempre o homem acerta na escolha, como é fácil constatar ao derredor ou em nossa própria experiência pessoal.

Para satisfazer a fome, por exemplo, valemo-nos do alimento, que se concretiza no pão, na fruta, … ; no entanto, uma criança muitas vezes come terra quando sente fome, escolhendo o ser ou elemento errado, como faz um adolescente, ou mesmo um adulto, quando atravessa, por exemplo, uma fase de insegurança emocional, dificuldades financeiras ou desemprego, e volta-se para o uso dos tóxicos, do fumo, do álcool, como “compensação”, ainda que não consciente, para o preenchimento de suas lacunas existenciais.

A pergunta fundamental é então a de como ser feliz, ou, em outros termos, que valores preencher, e como fazê-lo. A resposta não nos parece difícil: – Onde está nosso coração, aí está o nosso tesouro, vale dizer, a nossa felicidade.

E como a felicidade é o desiderato de todos nós, se perguntarmos ao ser humano o que lhe falta para atingir a felicidade, ele provavelmente responderá de acordo com seus gostos, necessidades, preferências.

A criança recém nascida a expressará no gôzo da sua primeira mamada no peito da mãe. Um operário dirá que é uma casa, um político que é o poder, um empresário que é o dinheiro.

E o idoso catarinense, ao responder sobre as características que entende deva ser a do cidadão e localizá-las no patamar da auto-estima (escala de Maslow), enunciou que ali residem os principais elementos que compõe sua felicidade. É o que se vê no quadro a seguir:

  • Quadro 3 – Percepção do idoso sobre a pessoa do cidadão, classificação conforme patamares de necessidades (MASLOW) – consulta em 2001.

Q3

O homem se revela em tudo que pensa, faz ou diz, e a psicologia informa que todo comportamento é motivado, é provocado por disposição íntima, por uma espécie de energia interior que nos orienta para tal ou qual direção na vida – e revela os valores de cada um.

Mais recentemente, informa Valle, os cientistas concluíram que a felicidade depende de quatro fatores que se apresentam como necessidades humanas: otimismo, alegria, coragem e sabedoria.

Ora, o idoso, cidadão catarinense, também as considera presentes em suas vidas e as persegue quando manifesta seus desejos (otimistas) por melhores dias, empregando sua sabedoria e vivência para aspirar ações sociais direcionadas a implantação de mais oficinas de arte e lazer, melhor acesso à saúde, acessibilidade à edificações e logradouros públicos, escola para a terceira idade e atenção continuada por parte de programas sociais.

O estudo das necessidades humanas e do estágio alcançado pelo idoso ou seu segmento, agrupamento, …, tem o propósito de situar o homem na sua escalada rumo ao pleno desenvolvimento econômico-político-social, o que permite às políticas públicas rearranjarem-se para facilitar o alcançamento de seu bem-estar. Mas este estado de bem-estar só estará completo se associado a uma certa dose de espiritualidade, posto que é do equilíbno entre corpo-mente-espírito que manteremos contato com a verdadeira felicidade.

1 SCHONS, Carmem Regina e PALMA, Lucia. “Conversando com Nara Costa Rodrigues sobre Gerontologia Social. SBGG. Edit. UPF. 2000 (p.46)
2 Avaliação obtida com as respostas dos idosos em 10 (dez) encontros municipais de grupos de idosos (SC)
3 Schons, C.R. e Palma, L.T.S. Conversando com Nara Costa Rodrigues sobre gerontologia social. SBGG-Universidade de Passo Fundo. Ed. UPF. 2000
4 Zimerman, I. Zimerman. Velhice: aspectos biopsicossociais. Editora Arimed. Porto Alegre. 2000
5 Mensagem ao Presidente da II Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento. Vaticano. 03.04.2002.
6 VALLE, Nadja do Couto. Da satisfação das necessidades à felicidade. Revista Reformador. Maio/2001

Outras Obras consultadas:

1. MASLOW, Abraham. Motivation and personality. New York: Harper and, 1954, p.92.
2. ÂNGELIS, Joanna de. Espírito e FRANCO, Divaldo P. Vida: desafios e soluções. Salvador: Liv. Espírita Alvorada, 1997, cap.10.
3. KARDEC, Allan. O Evangelho segundo e Espiritismo. 102 ed. Rio de Janeiro: FEB, 1990, cap.XVII, 3.
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