Gestão Idoso

Estatuto do Idoso e o Poder de Polícia.

Helio Abreu Filho
Advogado, Administrador , Sanitarista e Mestre em Adm. Pública.

Introdução As políticas públicas de atendimento aos interesses dos idosos em relação à saúde, trabalho, educação (…), historicamente, não têm merecido a mesma importância daquelas referentes à criança, à mulher, ou ao trabalhador.

Percebe-se, assim, que a noção que hoje se tem de cidadania não incorpora as características desse importante mas marginalizado segmento social. É que salvo algumas exceções, os governos não têm investido como deveriam em equipes de recursos humanos, em treinamentos e atualizações, ou aparelhos e equipamentos para o atendimento adequado aos direitos fundamentais dos idosos. É de se destacar, inclusive, que os idosos vêm sofrendo com ações paliativas, comoconseqüênciade intervenções clientelistas ou de interesses políticos. Por outro lado, paradoxalmente a essa situação de marginalização, o controle social exercido pelos Conselhos afins vem começando a ser, ainda que de forma incipiente, reconhecido pela sociedade e entidades de defesa de direitos humanos. Isto porque, a comunidade de forma geral vem a cada dia mais se conscientizando da importância dos Conselhos, como um espaço público capaz de promover a articulação das políticas públicas econseqüenteproteção e melhoria da qualidade de vida de idosos, crianças e demais excluídos sociais.

Após todo um movimento nacional pela descentralização das políticas públicas e municipalização das ações de atendimento à criança e ao adolescente, observa-se que foram poucas, mas boas, as experiências municipais de sucesso. Isto se deu em virtude destas políticas estarem efetivamente envolvidas num Sistema de Garantia de Direitos. Com a entrada em vigor da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), o Conselho do Idoso passou a somar às suas funções de controle social, as de ‘defesa de direitos’, permitindo-se a este o exercício de relações interativas de promoção, controle e defesa. Aliado a isto, cabe ainda ao Conselho fazer parte do planejamento de todas as ações programáticas, setoriais, de assistência social, lazer, esporte, educação, saúde, trabalho, moradia (…) do Poder Público (Municipal, Estadual ou Federal) para que sobre estas ações não recaiam as penalidades da lei, em face do Poder de Polícia que poderá ser exercido pelo Ministério Público e pelos próprios Conselhos.

Assim, com oadvendodo Estatuto do Idoso, as políticas públicas em relação aos idosos devem, a partir de agora, adquirir a devida prioridade. Emconseqüência, os Estados e os Municípios deverão investir na constituição dos Conselhos dos Idosos, criando ainfra-estruturamínima adequada para o desenvolvimento das ações fiscalizadoras e de controle social. De outro lado, as transgressões ao Estatuto por parte das entidades de atendimento (governamentais ou não-governamentais), deverão importar penalização do infrator, conforme a natureza e a gravidade da falta cometida. Aliada à prática, deve-se também ingressar no estudo sistemático da norma estatutária, a fim de aclarar pontos obscuros e eventualmente omissos, masgarantido-se, desde já, os direitos fundamentais do cidadão idoso, de forma individual, coletiva e/ou difusa. O estudo que se segue, de cunho eminentemente didático, tem por finalidade contribuir para a difusão dos preceitos contidos na recente Lei Federal nº 10.741, de 01 de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), a fim de fixar o sentido e o alcance destas disposições legais que preconizam a cidadania plena do idoso.

Conceituando ‘Fiscalização – Poder de Polícia’

Os direitos fundamentaiscostitucionalmentegarantidos (vida, liberdade, saúde, educação…), também compõem o quadro de interesses assegurados pelo Estatuto do Idoso, e são passíveis de exigibilidade, mediante ação própria. Para garantia e cumprimento destes direitos, a Administração Pública dispõe do PODER DE POLÍCIA. Assim, além da possibilidade do cidadão ou de seus representantes demandarem em Juízo para ver restabelecido o direito violado, também a Administração, por intermédio de alguns órgãos, possui instrumento adequado para determinar o cumprimento do direito ameaçado ou violado. Extrai-se da doutrina pátria os seguintes conceitos de poder polícia: “(…) poder de polícia é a atribuição conferida à Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens e o exercício de atividades e direitos individuais, com o interesse público ou social”. (Dawalibi, Marcelo. Revista de Direito Ambiental nº 14 Págs.92-102. Ed RT). “(…) poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionare restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”( Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 25a ed., p. 122).

“(…) atividade da administração pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua

supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (“nonfacere”) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo”(BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 10A ed., p. 523). Da leitura desses conceitos conclui-se que o poder de polícia na hipótese específica do Estatuto, não está só para limitar, restringir, conformar, condicionar o direito individual ao coletivo, mas antes garantir o acesso do idoso aos direitos fundamentais assegurados por meio da exigibilidade eautoexecutoriedade, seus atributos. Assim, o poder de polícia não deve ser entendido como o poder da Polícia Civil, da Polícia Militar, da Polícia Judiciária. O poder de polícia é o poder, por exemplo, que a Vigilância Sanitária possui, quando fiscaliza a higiene e a salubridade de estabelecimentos de interesse da saúde ou, que o Corpo de Bombeiros possui, quando realiza a fiscalização da segurança das edificações. Portanto, o Poder de Polícia não se confunde com a polícia judiciária e a polícia de manutenção da ordem pública, pois estas atuam sobre pessoas.

No caso específico do Estatuto do Idoso, pode-se entender o poder de polícia como uma atividade da Administração Pública, que disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público, concernente ao respeito aos direitos individuais dos idosos. (5) Para que o exercício do poder de polícia seja considerado regular, devem estar presentes, basicamente, quatro requisitos: (a) desempenho por órgão competente; (b) atuação nos limites da lei aplicável; (c) observância do devido processo legal; e, (d) a ação não venha a ocorrer com abuso ou desvio de poder, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária. Como os direitos fundamentais incluem direitos inalienáveis, tais como vida e saúde, a sua preservação exige múltiplas providências, destacando-se duas, as de: a) ordem legal – que dizem respeito a garantia da legitimidade da autoridade pública e o apoio aos atos de fiscalização; b) ordem institucional – que trata da adequação das normas e dos meios administrativos disponibilizados para o exercício da função pública.

E, nesse sentido, o Estatuto identificou os Conselhos de Idosos como órgãos de fiscalização das entidades governamentais e não-

governamentais e enunciou algumas de suas competências, deixando uma lacuna a ser preenchida pelos Estados para disciplinamento desta nova função pública. E será este arcabouço legal que irá legitimar a ação da autoridade pública, ‘servidor efetivo’, como agente de fiscalização do Conselho. Esta lacuna deverá ser preenchida pelos Estados, dada à existência deumacompetênciaconcorrente supletiva (6) por parte destes entes federativos em relação à União, que lhes permite legislar sobre as situações relacionadas à proteção e defesa da saúde; à assistência jurídica e defensoria pública; e, à proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência. Evidentemente, temáticas afins ao Estatuto do Idoso. Assim, não será competência privativa da União a emissão de regras específicas e de execução, podendo os Estados fazê-lo ao lado das normas gerais emanadas pelo ente federativo que lhe é superior. Consoante o disposto nos artigos 52 e 53 do Estatuto do Idoso, o Conselho tem a competência de fiscalizar as entidades de atendimento (governamentais e não- governamentais (art.52) e a política nacional do idoso, no âmbito das respectivas instâncias político-administrativas (art.53). Neste segundo caso, trata-se da fiscalização das ações programáticas estabelecidas pela União, na Política Nacional do Idoso, e pelos Estados, na Política Estadual do Idoso (em Santa Catarina, Lei Estadual nº 11.436/2000). Estes dois dispositivos vêm ao encontro com o já estabelecido no artigo 7º, no sentido de que os Conselhos Nacional, Estaduais, do Distrito Federal e Municipais do Idoso zelarão pelo cumprimento dos direitos do idoso, definidos nesta Lei. Esta atribuição prevista no artigo 7º se configura na vigilância e na fiscalização do direito que possa vir a ser ameaçado ou violado, por falta, omissão ou abuso da entidade de atendimento (art. 43, inciso II); ou, por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, entendido aqui as organizações que os representam, tais como hospitais, casas de repouso, bancos, teatros, entre outros (art.43,inciso I). Contudo, as medidas de proteção ao idoso, previstas no artigo 45 do Estatuto, são de exclusiva competência do Ministério Público, ou do Poder Judiciário, a requerimento daquele.

Neste sentido, a ação fiscalizadora dos conselhos se dá de duas formas: (a) sobre os órgãos e entidades governamentais no que diz respeito à política estabelecida para o idoso (art.7ºc/c art. 52); e, (b) sobre a ação das entidades de atendimento, no cumprimento aos ditames do Estatuto do Idoso (art. 52 c/c art. 55). A fiscalização da Política do Idoso diz respeito à verificação da existência de prioridade na execução e/ou no apoio dos diversos setores públicos aos programas que tenham por fundamento os princípios e diretrizes da Política estabelecida. Também compreendeverificação e avaliação do cumprimento das competências estabelecidas pelo artigo 10 do Estatuto do Idoso. Dentre as ações da política a serem acompanhadas e fiscalizadas junto aos setores públicos (7), destacam-se:

  • atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população (art.3º, p.u., inciso I);
  • capacitação e reciclagem dos recursos humanos nas áreas de geriatria e gerontologia e na prestação de serviços aos idosos (art. 3º, p.u., inciso VI);
  • estabelecimento de mecanismos para divulgação de informações de caráter educativo sobre os aspectos biopsicossociais de envelhecimento(art.3º,p.u.,inciso VII);
  • garantia de acesso do idoso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais (art. 3º, p.u., inciso VIII);
  • cumprimento das normas de planejamento e execução emanadas dos órgãos competentes da Política do Idoso (art. 48). Jáafiscalizaçãodas entidades de atendimento terá como objeto diversos atos e fatos, como sejam:
  • existência de programa de manutenção na entidade (Art. 48);
  • existência de ato de inscrição da entidade no Conselho Municipal do Idoso/CMI (art. 48, parágrafo único);
  • atendimento regular aos quesitos que são exigidos na inscrição da entidade no CMI (art.48,parágrafo único), tais como: (a) instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança; (b) apresentação de objetivos estatutários e plano de trabalho compatíveis com os princípios desta Lei; (c) estar regularmente constituída; (d) demonstrar a idoneidade de seus dirigentes; e (e) outros adicionalmente estabelecidos pelo Conselho Municipal do Idoso e os que forem eventualmente requeridos pelos Conselhos afins (Conselho Municipal de Assistência Social, Conselho Municipal de Saúde, etc…);
  • adoção de princípios pelas entidades de longa permanência (art. 49), a saber: (a) preservação dos vínculos familiares; (b) atendimento personalizado e em pequenos grupos; (c) manutenção do idoso na mesma instituição, salvo em caso de força maior; (d) participação do idoso nas atividades comunitárias; (e) observância dos direitos e garantias dos idosos; (f) preservação da identidade do idoso e oferecimento de ambiente de respeito e dignidade;
  • danos aos idosos, no caso de idosos abrigados (art. 55, § 1o );
  • fraude em relação ao programa de atendimento (art. 55, § 1o );
  • aplicação ou desvio de finalidade dos recursos públicos (art. 55, § 2o);
  • situações de risco aos direitos assegurados nesta Lei (art. 55, § 3o).

Estas inúmeras situações exigem uma definição legal da partilha de competências entre os agentes fiscais (efetivos) dos Conselhos de Idosos da União, dos Estados e dos Municípios, de modo que ação fiscal não implique em repetição ou superposição de atos. Aliás, este cuidado com a superposição de competências também deverá haver em relação, por exemplo, ao Ministério Público, à Vigilância Sanitária e ao Corpo de Bombeiros. Evidente que, na ausência de agentes fiscais designados pelos municípios – e só poderão existir em havendo Conselho instalado –, os agentes designados pelo Estado podem atuar supletivamente. Até porque, sendo interesse comum da União, Estados e Municípios assegurar os direitos fundamentais dos idosos previstos no Estatuto do Idoso, há, em princípio, uma competência concorrente para legislar e atuar. Ação Fiscalizadora do Conselho Esta atuação poderá gerar, em razão das situações de transgressão aos direitos dos idosos, medidas de âmbito administrativooupenalidadesde âmbito judicial a serem cumpridas pelas entidades de atendimento (art. 52 c/c art.55) ou pelos Setores responsáveis pela execução da política do idoso (art. 7º c/c art.52). A apuração das responsabilidades no âmbito da legislação estatutária sobre as entidades de atendimento (e não sobre as pessoas, seus gestores), não exclui a apuração de possíveis crimes, faltas éticas ou disciplinares, conforme a legislação civil, penal, administrativa e normas ético-disciplinares. É o que estabelece o artigo 55 do Estatuto do Idoso. Mas, o exercício do Poder de Polícia ficou mais claro no disciplinamento do Estatuto quanto ao Ministério Público, que terá livre acesso a toda entidade de atendimento ao idoso e poderá tomar um conjunto de medidas (art. 74), dentre as quais destacam-se:

  • instauração de procedimento administrativo e, para instruí-lo, requisição de informações, exames, perícias e documentos;
  • instauração de sindicâncias, requisição de diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial;
  • inspeção das entidades públicas e particulares de atendimento e os programas de que trata esta Lei;
  • adoção de medidas administrativas ou judiciais necessárias à remoção de irregularidades porventura verificadas;
  • requisição de força policial, bem como a colaboração dos serviços de saúde, educacionais e de assistência social, públicos, para o desempenho de suas atribuições.

Estas medidas acima elencadas não podem ser tomadas pelo ente fiscal dos Conselhos de Idosos. Existem ainda outras medidas à disposição do Ministério Público, caso os direitos estatutários forem ameaçados ou violados (artigo 45) por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento; ou em razão de sua condição pessoal (8). Estas medidas são: (a) encaminhamento à família ou ao curador; (b) orientação, apoio e acompanhamento temporários; (c) requisição para tratamento de sua saúde, em regime ambulatorial, hospitalar ou domiciliar; (d) inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a usuários dependentes de drogas lícitas ou ilícitas, ao próprio idoso ou à pessoa de sua convivência que lhe cause perturbação; (e) abrigo em entidade. No caso específico destas medidas previstas pelo artigo 45, o Ministério Público poderá buscar valer-se de decisão judicial. A autoridade (agente) fiscal com atuação no Conselho poderá, contudo, valer-se da autoridade do Ministério Público, comunicando-o da ocorrência de infração atribuída a entidade de atendimento que coloque em risco os direitos assegurados na Lei. O Ministério Público, além de tomar as providências cabíveis (p.ex.aquelasprevistas no artigo 45), poderá promover a suspensão das atividades ou dissolução da entidade, com a proibição de atendimento a idosos a bem do interesse público, sem prejuízo das providências a serem tomadas pela Vigilância Sanitária (art. 55, § 3o).

No caso de as entidades de atendimento (9) descumprirem as determinações do Estatuto, elas ficam sujeitas apenalidades,quepara serem emitidas devem provir do ‘devido processo legal’ (art. 55). Este ‘devido processo legal’, pode ser administrativo(apuração de infração administrativa pela autoridade fiscal) ou judicial. O devido processo legal, pela via judicial, na apuração de irregularidade em entidade de atendimento está disciplinada no artigo 65, que estabelece o procedimento de apuração de irregularidade em entidade governamental e não-governamental de atendimento ao idoso. Segundo o citado dispositivo, o procedimento judicial terá início mediante petição fundamentada de pessoa interessada(10) ou iniciativa do Ministério Público.

Nesse sentido, havendo motivo grave, poderá a autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público, decretar liminarmente o afastamento provisório do dirigente da entidade ou outras medidas que julgar adequadas, para evitar lesão aos direitos do idoso, mediante decisão fundamentada. Já na esfera administrativa, o devido processo legal se dará através de procedimento para imposição de penalidade administrativa por infração às normas de proteção ao idoso. Terá início com requisição do Ministério Público ou Auto deInfração elaboradopor servidor efetivo e assinado, se possível, por duas testemunhas. Os Atos Administrativos e seus Procedimentos No caso de Auto de Infração elaborado por servidor efetivo, recomenda-se que este esteja lotado no Conselho e tenha designação específica, o que lhe dará legitimidade como agente fiscal. Nesse sentido, o Poder Público (federal, estadual e municipal) deverá criar um quadro de servidores efetivos para atuação junto ao Conselho, no cargo de inspetor de fiscalização, ou denominação similar. Este cargo será preferencialmente ocupado por servidor público efetivo de nível superior, dadas as articulações que executará e o conjunto de leis que deverá manipular e interpretar para sucesso de sua atuação. No Setor Saúde do Estado de Santa Catarina, quando publicada a Lei Estadual de Saúde, Lei nº 6.320/83, o quadro de servidores efetivos do Departamento de Saúde Pública (DSP) para atuação na Vigilância Sanitária não se fazia completo. Daí a Lei facultou a possibilidade de atribuição em exercício da função fiscal para servidores públicos que preenchessem determinado perfil. Algo similar poderá ser aplicado neste caso. O artigo 60 estabelece que o procedimento para a imposição de penalidade administrativa por infração às normas de proteção ao idoso – certamente por entidade de atendimento – terá inicio com o Auto de Infração elaborado por servidor efetivo (lotado no Conselho) e assinado, se possível, por duas testemunhas. O Auto de Infração, que poderá ou não ser um formulário impresso, deverá conter, basicamente, a natureza e ascircunstânciasdainfração.

A natureza da infração tem a ver com a sua caracterização como infração leve, grave ou gravíssima, isto é, dependerá do risco para a vida ou à saúde da pessoa idosa abrigada. Mas para a aplicação às

entidades de atendimento de uma forma em geral, o risco pode ser entendido como os componentes críticos dos acontecimentos, fatos ou coisas que colocam ou possam vir a colocar em risco social a pessoa do idoso (perdas econômicas, de vínculos afetivos, etc…) ou a sua vida e saúde. Estes fatores de risco acarretam demanda dos serviços sociais e de saúde, dada asconseqüênciaspossíveis, como morte, sofrimento, baixaauto-estima. Havendo risco para a vida ou saúde do idoso (art. 62), a autoridade competente, no caso a autoridade fiscal doConselho,aplicaráà entidade de atendimento as sanções regulamentares, sem prejuízo da iniciativa e das providências que vierem a ser adotadas pelo Ministério Público, Vigilância Sanitária, Corpo de Bombeiros, e outros. E, nos casos em que não houver risco para a vida ou saúde da pessoa idosa abrigada (art. 63), a autoridade competente aplicará à entidade de atendimento as sanções regulamentares, sem prejuízo da iniciativa e das providências que vierem a ser adotadas pelo Ministério Público ou pelas demais instituições legitimadas para a fiscalização.

Na interpretação dos artigos 62 e 63, o primeiro dizendo respeito às situações de ‘risco para a vida ou a saúde’ e o segundo, as situações ‘sem risco de vida’, percebe-se que, havendo ‘risco para a vida ou a saúde’ serão tomadas determinadas providências, independente da entidade de atendimento ser ou não um ‘abrigo’. Já quando a situação ‘não envolver risco de vida’, serão tomadas providências quando a situação envolver entidade de longa permanência (abrigo). Nesse sentido, é de se concluir que todas as entidades de atendimento, ou seja, todos as entidades governamentais e não-governamentais, que atuarem junto ao idoso, estarão isentas do processo administrativo para apuração de infração, caso o ato infracional não tenha resultado em ‘risco a saúde ou a vida’ do idoso. Restará para a autoridade fiscal com atuação no Conselho, neste caso, comunicar a existência da infração ao Ministério Público. E aqui exercitará, tão só, a condição de controle social. Retornando à questão do formalismo da ação fiscal, é recomendável também que o Auto de Infração contenha certos indicativos, obedecendo formalidades próprias dos atos administrativos, tais como:

  1. a) nome/razão social do infrator, endereço, demais elementos para sua qualificação;
  2. b) local, data e hora da lavratura onde a infração foi cometida ou constatada;
  3. c) descrição da infração e menção do dispositivo legal que teria sido transgredido, o que circunstancia a natureza da infração;
  4. d) penalidade a que está sujeito o infrator e o preceito legal que autoriza a imposição da penalidade; ciência, pelo autuado, que responderá pelo fato mediante processo administrativo;
  5. e) assinatura do autuado ou, na sua ausência ou recusa, de duas testemunhas, e doautuante(autoridade fiscal);
  6. f) prazo para interposição de recurso – dez dias –, quando cabível (11);
  7. g) registro de eventual recusa do infrator em assinar o auto.

As circunstâncias da infração, a ser expressa no Auto de Infração, dizem respeito tanto asconseqüências(danosas) sociais, quanto para a saúde do idoso, bem como, o registro da contribuição ou não do infrator para consecução do evento e ainda para sua reparação. Esta anotação da contribuição deverá expressar, por exemplo, se o infrator é reincidente; se cometeu a infração para obter vantagem pecuniária; se ocorreu mediante coação; se houveconseqüênciascalamitosas; se houve omissão de providências que seriam esperadas dada a sua responsabilidade; se ocorreu dolo, fraude, má fé. Estabelecendo o Auto de Infração, o prazo para a defesa, dez dias, esta poderá ser entregue no ato da vistoria ou posteriormente, por via postal, contendo neste caso, o aviso de recebimento (sugere-se o aviso de registro, com entrega em mãos).

Certamente, estas situações de autuação posterior não devem tratar-se de questões relacionadas à vida e à saúde do idoso.Avista-se, dadas as questões recursais, a imperiosidade do Conselho contar com uma assessoria jurídica que lhe dê suporte para as decisões administrativo-fiscais, inclusive, para assessorar esta instância decisória, que presume-se venha a ser o Presidente do Conselho. Assim, o procedimento deflagrado pela autoridade fiscal em primeira instância é analisado e deliberado em segunda instância pelo Presidente do Conselho; e, em caso de um segundo recurso, revisado em terceira instância, pelo Conselho em sessão plenária. As penalidades a serem aplicadas pelas autoridades fiscais, que podem ser revisadas pelas autoridades superiores (Presidente do Conselho ou o próprio Conselho), neste procedimento que se denomina devido processo legal, de cunho administrativo, são as seguintes: Art. 55 As entidades de atendimento que descumprirem as determinações desta lei ficarão sujeitas, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal de seus dirigentes ou prepostos, às seguintes penalidades, observado o devido processo legal: I – entidades governamentais:

  1. a) advertência;
  2. b) afastamento provisório de seus dirigentes;
  3. c) afastamento definitivo de seus dirigentes;
  4. d) fechamento de unidade ou interdição de programa; II – entidades não-governamentais:

1) advertência;

2) multa;

3) suspensão parcial ou total do repasse de verbas públicas;

4) interdição de unidade ou suspensão de programa;

5) proibição de atendimento a idosos a bem do interesse público.

Algumas destas decisões devem estar respaldadas por protocolos, convênios e contratos, articulados pelos Conselhos, constituídos em rede de proteção social, haja visto a imprescindibilidade de respostas às situações que acarretem risco à vida e à saúde dos idosos, quando a medida requerer o fechamento da entidade ou a interdição do programa. Não é factível supor que a autoridade fiscal vá executar uma ação empreendedora, sem o suporte de instrumentos capazes de lhe dar eficácia e efetividade as suas autuações.

Finalizando, enquanto não houver o disciplinamento legal para a atuação do agente fiscal a serviço do Conselho, a sua atuação poderá mesmo assim ser iniciada de imediato, juntamente com a atividade de inscrição de programas. Resulta concluso, em razão dos Princípios Gerais do Direito que, se o conselho é o órgão competente para realizar a inscrição de programas das entidades de atendimento aos idosos (parágrafo único, artigo 48), já que competente para autorizar (12) o funcionamento das mesmas (“(…) ficam sujeitas à inscrição (…)”), também o será para cassar este registro. E aí sua atuação se dá como autoridade pública, devendo limitar-se à verificação da manutenção da regularidade dos requisitos que levaram à concessão. Estes requisitos são: (a) instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e segurança (certificados emitidos pela Vigilância Sanitária e Corpo de Bombeiros);

  1. objetivos estatutários e plano de trabalho compatíveis com os princípios desta Lei;
  2. constituição regular;
  3. idoneidade de seus dirigentes.

Mas, mesmo possuindo esta condição, digamos, inata, o Conselho do Idoso necessita do apoio institucional do Poder Público, em especial da Secretaria que lhe dá guarida, para que esta forneça o apoio administrativo e financeiro necessário ao seu aparelhamento e regular funcionamento. Esta atribuição,alíás, é determinação do próprio Estatuto.

 

Conclusão 

Percebe-se que a legislação federal, a despeito do conteúdo já enunciado pelo Estatuto do Idoso no que se refere ao poder de polícia, deve ser melhor desenvolvida no que diz respeito a seus limites, abrangência, finalidade e da sua possibilidade de assegurar o direito e/ou restringir e condicionar a ação daquelas entidades que ameaçam ou violam direitos. Mas, nada do que hoje se tem, valerá, se não estiver vinculada a uma proposta de reestruturação, a uma reformulação dos fins estatais. Após esta breve análise do tema, confrontando-se aos avanços já estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, ainda torna-se subjetiva e difícil a abordagem, conclusiva e concreta, quanto ao comportamento do Estado Brasileiro na consolidação do Estatuto do Idoso, como Carta de Cidadania. Isto porque, tanto a União, quanto os Estados e Municípios devem viabilizar a constituição do Fundo Especial para apoio da política do idoso; o quadro de servidores efetivos que desenvolverão, junto ao Conselho do Idoso, a função de fiscalização das entidades de atendimento governamentais e não governamentais; e, a edição da legislação que estabelecerá os procedimentos jurídico-administrativos para expedição e processamento dos autos de imposição de penalidades.

Ressalta-se ainda, que a atividade mediadora do Estado de Direito encontra-se em fase muito teórica e de prática embrionária. Tanto que existe um abismo entre poder-dever do Estado e a ação de salvaguarda dos direitos individuais e coletivos, que levam a democracia vivenciada pelo País à exigência de regramento de direitos fundamentais. E, no momento em que o segmento idoso adentra na defesa dos seus interesses, ele, cidadão que vota e escolhe governantes, torna propício o repensar do objetivo da proteção dos direitos fundamentais, ou seja, da intervenção estatal nas relações de direitos individuais. E, enquanto não se fizer presente um estudo mais minucioso que leve a uma normatização coerente com a problemática da sociedade pós-moderna, não se terá efetividade no atendimento aos interesses individuais e coletivos e,conseqüentemente, a supremacia do interesse público, prevalecente no Estado Democrático de Direito.

Após essas considerações, pode-se dizer que a Fiscalização do Conselho do Idoso compreende um conjunto de ações no âmbito das práticas de cidadania, assentadas em várias áreas do conhecimento técnico-científico (saúde, educação, lazer, cultura, assistência social, transporte, moradia, etc…) e em bases jurídicas que lhe conferem o poder de normatização, educação, avaliação e de intervenção, e que têm por objetivo controlar e garantir a qualidade do atendimento oferecidas aos idosos pelas entidades governamentais e não-governamentais, assegurando o seu atendimento enquanto direito.

A Fiscalização, sob essa perspectiva, é um forte instrumento para a melhoria da qualidade de vida do segmento idoso. A sistematização aqui sugerida, os conceitos e fundamentos, as formas de desenvolvimento das avaliações e o exercício da função de polícia, têm como objetivo subsidiar questões que estarão, sem dúvida, despontando nas atividades rotineiras das equipes técnicas. Espera-se que o presente texto venha a contribuir para direcionamento da legislação emergente e sirva de estímulo para a busca de melhores alternativas de exercício das ações fiscais, tendentes a subsidiar a qualidade de vida da população idosa, não mais amanhã, ou posteriormente, mas, AGORA.

Este é o momento de nos unir e garantir a verdadeira cidadania, pois, “um só nada faz, o conjunto é que opera”.

 

Referências

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 10A ed., p. 523.Dawalibi, Marcelo. Revista de Direito Ambiental nº 14 Págs.92-102. Ed RT. Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 25a ed., p. 122.
(1) Abreu,Helioetall. COMENTÁRIOS AO ESTATUTO DO IDOSO. SEDH.Brasilia-DF.2004
(2) Helio Abreu – Mestre em Administração Pública, Advogado, Administrador e Sanitarista. Presidente do Conselho Estadual do Idoso e Presidente da Entidade Asilar SERTE (Sociedade Espírita Recuperação, Trabalho e Educação).
(3) Alexandre Herculano Abreu – Promotor de Justiça, 30ª Promotoria de Justiça da Capital – Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania e Fundações, Membro de Conselho Administrativo da Entidade Asilar SERTE.
(4) Graduada em janeiro/2000 pela UFSC, Especialista em Direito Constitucional (CESUSC), membro da Comissão de Assistência Social da OAB/SC, analista judiciária do TRE-SC,ex-advogadada SERTE e SEOVE, entidades Asilares de Florianópolis.
(5) Inferência a partir do conceito de Poder de Polícia definido no artigo 78 do Código Tributário Nacional.
(6) Artigo 24 caput e parágrafos primeiro e segundo da Constituição Federal Brasileira.
(7) Setores públicos entenda-se, o Setor Saúde (seus órgãos), o Setor Educação (seus órgãos), o Setor de Assistência Social (seus órgãos), entre outros.
(8) Condição pessoal: entenda-se a situação gerada pelo próprio idoso, por exemplo, a sua condição de alcoólatra.
(9) Entidades de atendimento: por inferência dos textos legais, entenda-se aquelas entidades governamentais e não governamentais de assistência ao idoso (artigo 48 e seu parágrafo único), que desenvolvam ou não programas de institucionalização de longa permanência (artigo 49), e as entidades filantrópicas ou sem fins lucrativos prestadoras de serviço ao idoso.
(10) Pessoa interessada: entenda-se aquela pessoa que encontra-se com seu direito ameaçado ou violado, ou quem pessoalmente possa representá-la em juízo.
(11) A lei poderá estabelecer situações em que não seja cabível o recurso, por exemplo, para reaver objetos, remédios, que tenham sido objeto de apreensão e imediatainsineração.
(12) O termo é, certamente, ‘autorizar’, posto que as entidades ficam sujeitas à inscrição (parágrafo único, Art. 48)
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