Cidadania Gestão

Agentes Fiscais na Política da Assistência Social: Possibilidade Jurídica.

Helio Abreu Filho
Advogado, Administrador , Sanitarista e Mestre em Adm. Pública.

Acompanhando a evolução tecnológica instalada pelo desenvolvimento da Política de Assistência Social na área dos direitos sociais, tomo a liberdade de sugerir subsídios para reflexão dos atores sociais, quanto à figura do AGENTE FISCAL na política da assistência social, visando alertar os órgãos públicos e conselhos municipais da importância de assimilar os competentes instrumentos legais disponíveis na legislação, que lhes garantam completude de atuação no âmbito legal.

Os agentes fiscais são figuras que exsurgem tanto do Estatuto do Idoso quanto do Estatuto da Criança e do Adolescente, a partir da existência do poder de fiscalizar entidades, neles previstos, para o que, procedimentos e instrumentais precisam ser regulados, complementarmente, pelo município.

Na consonância com o Estatuto do Idoso, o Conselho do Idoso possui competência legal (federal e municipal) para fiscalizar as entidades de atendimento, mas ele é composto por agentes públicos (que não são considerados ‘servidores públicos’), os quais representam entidades governamentais e não governamentais, paritariamente. Salvo melhor juízo, o Conselho do Idoso atenderá a esta condição de fiscalizar se, sob seu comando, existirem ‘servidores públicos’ com competência para tal. E, evidente, a designação depende do poder discricionário da Administração em criar a figura, que um dia o fará, até por imposição do Ministério Público ou Ação Civil Pública.

Para o Estatuto da Criança e do Adolescente, a questão da fiscalização é mais clara. Nela está explícita a figura do conselheiro tutelar, a figura do ‘servidor público’ e a figura do ‘voluntário designado’ que, neste caso, bem pode ser um conselheiro do conselho municipal dos direitos, desde que designado mediante ato administrativo próprio.

Em quaisquer dos casos, além dos subsídios que a lei federal estabelece para atuação nos PROCEDIMENTOS PARA APURAÇÃO DE IRREGULARIDADES, há a lei municipal que deve enunciar os complementares, descrevendo os instrumentos de autuação (conteúdo) e definindo as instâncias recursais e os prazos respectivos.

Vejamos o que explicita a lei federal (Estatuto do Idoso):

1 Procedimentos para apuração de irregularidade em relação à Política do Idoso (Estatuto do Idoso) – grifo nosso

Art. 52. As entidades governamentais e não-governamentais de atendimento ao idoso serão fiscalizadas pelos Conselhos do Idoso, Ministério Público, Vigilância Sanitária e outros previstos em lei.

Art. 55. As entidades de atendimento que descumprirem as determinações desta Lei ficarão sujeitas, sem prejuízo da responsabilidade civil e criminal de seus dirigentes ou prepostos, às seguintes penalidades, observado o devido processo legal:

I – às entidades governamentais:

  1. a) advertência;
  2. b) afastamento provisório de seus dirigentes; (…);

II – às entidades não-governamentais:

  1. a) advertência;
  2. b) multa; (…).
  • 3° Na ocorrência de infração por entidade de atendimento (então, ocorreu um Laudo!), que coloque em risco os direitos assegurados nesta Lei, será o fato comunicado ao Ministério Público, para as providências cabíveis, inclusive para promover a suspensão das atividades ou dissolução da entidade, com a proibição de atendimento a idosos a bem do interesse público, sem prejuízo das providências a serem tomadas pela Vigilância Sanitária. (paralelamente ocorrem as ESPECÍFICAS do MP e da VIGILÂNCIA!)
  • 4° Na aplicação das penalidades, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o idoso, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes da entidade.

2 Da Apuração Administrativa de Infração às Normas de Proteção ao Idoso – grifo nosso

Art. 60. O procedimento para a imposição de penalidade administrativa por infração às normas de proteção ao idoso terá início com requisição do Ministério Público ou auto de infração elaborado por servidor efetivo e assinado, se possível, por duas testemunhas.

  • 1° No procedimento iniciado com o auto de infração poderão ser usadas fórmulas impressas, especificando-se a natureza e as circunstâncias da infração.
  • 2° Sempre que possível, à verificação da infração seguir-se-á a lavratura do auto, ou este será lavrado dentro de 24 (vinte e quatro) horas, por motivo justificado.

Art. 61. O autuado terá prazo de 10 (dez) dias para a apresentação da defesa, contado da data da intimação, que será feita:

I – pelo autuante, no instrumento de autuação, quando for lavrado na presença do infrator;

II – por via postal, com aviso de recebimento

Art. 62. Havendo risco para a vida ou à saúde do idoso, a autoridade competente aplicará à entidade de atendimento as sanções regulamentares (SERVIDOR PÚBLICO!), sem prejuízo da iniciativa e das providências que vierem a ser adotadas pelo Ministério Público ou pelas demais instituições legitimadas para a fiscalização.

3 Da Apuração Judicial de Irregularidades em Entidade de Atendimento – grifo nosso

Art. 64. Aplicam-se, subsidiariamente, ao procedimento administrativo de que trata este Capítulo as disposições das Leis nos 6.437, de 20 de agosto de 1977, e 9.784, de 29 de janeiro de 1999.

Vejamos o que explicita a lei federal (Estatuto da Criança e do Adolescente):

Procedimentos para apuração de irregularidade em relação à Política da Infanto-Adolescência (ECA) – grifo nosso:

Art. 191. O procedimento de apuração de irregularidades em entidade governamental e não-governamental terá início mediante (…) representação (…) do Conselho Tutelar, onde conste, necessariamente, resumo dos fatos.

Art. 194. O procedimento para imposição de penalidade administrativa por infração às normas de proteção à criança e ao adolescente terá início por representação do (…) Conselho Tutelar, ou auto de infração elaborado por servidor efetivo ou voluntário credenciado, e assinado por duas testemunhas, se possível.

REFLEXÃO

É imanente a função de conselheiro tutelar e a sua condição de agente fiscal, o que exige regulamentação dos procedimentos de apuração de irregularidade, mediante norma administrativa própria, porquanto o Poder Público responderá pelos atos praticados por ele. No caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, está ESCRITO na lei que existe uma outra figura – além do ‘conselheiro tutelar’ e do ‘servidor público’ – é a do ‘voluntário credenciado’. Neste último caso,smj, se uma lei municipal assim entender, este ‘voluntário a ser credenciado’ poderá ser o conselheiro de direitos. Mas, este não é o caso do Estatuto do Idoso porque nele não está prevista esta figura. Na política do idoso, a fiscalização é exercida pelo conselho do idoso e a figura do AGENTE FISCAL está definida em lei federal como a do ‘servidor público’. Em relação ao Estatuto do Idoso e Estatuto da Criança e do Adolescente, estamos tratando de registro de programas que serão fiscalizados.

No âmbito da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), está se tratando de entidades inscritas1, a serem fiscalizadas pelos agentes públicos (fiscais). Na área da assistência social, foram criados os conselhos de assistência social – incumbidos de exercer a orientação e o controle dos fundos de assistência social, bem como inscrever e fiscalizar as entidades e organizações de assistência social. São, pois, atributos do conselho municipal de assistência social: ‘inscrever e fiscalizar as entidades e organizações de assistência social no âmbito municipal’ (Lei 8.742, de 1993- LOAS, art. 9º, § 2º; Lei 10.741, de 2003, art. 52; NOB/SUAS, item 4.3; Decreto 2.536, de 1998, art. 3º, II) E, dentre os dispositivos legais, é determinado pela LOAS, de forma clara e cristalina, que este poder de fiscalização seja estabelecido em lei ou em regulamento, que pode ser próprio dos conselhos, porquanto suas resoluções, se alcançadas pela legitimidade e na legalidade, têm o mesmo peso constitucional das deliberações jurídicas (lei) da democracia representativa (Câmara de Vereadores). Vejamos o artigo 9º, § 2º: ‘Cabe ao Conselho Municipal de Assistência Social (…) a fiscalização das entidades referidas no “caput”, na forma prevista em lei ou regulamento.’ (grifo nosso) Torna-se claro, então, que, ocorrendo descumprimento das determinações da LOAS, do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Estatuto do Idoso, os programas e as entidades ficam sujeitas a penalidades, as quais, para serem emitidas, devem provir do ‘devido processo legal’. E este ‘devido processo legal’ pode ser:

  • Judicial (ver estatuto) ou
  • Administrativo, com início da Requisição do Ministério Público ou Auto de Infração elaborado por servidor efetivo.

A título de mero argumento adicional sobre este ‘poder’ do conselho, temos que, se o conselho municipal pode inscrever a entidade e registrar o programa, ele está autorizando o funcionamento. E, se autoriza o funcionamento, poderá também criar sanções e penalidades ao descumprimento dos princípios aos quais estes entes se vinculam, no ato da realização do registro e inscrição. É o princípio legal do ‘quem pode mais, pode menos’2.

Art. 9º (LOAS) – ‘O funcionamento das entidades e organizações de assistência social depende de prévia inscrição no respectivo Conselho Municipal de Assistência Social (…)’ – grifo nosso.

Estamos tratando aqui da figura do AGENTE FISCAL e não do órgão que pode ou não ter o poder para exercer a fiscalização. O órgão necessitará de agentes, cuja figura ora discutimos. Por estes motivos, no exercício desta condição de fiscal de normas de proteção aos direitos sociais dos usuários, junto às entidades, é pertinente compreender, data vênia, que o Poder Executivo deve:

  1. no caso de ‘servidor público’ a ser o investido, figura prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Estatuto do Idoso (neste último, não existe a figura do ‘voluntário credenciado’): – expedir ato de investidura contendo esta especificidade, posto que, no exercício de suas funções, a sua conduta refletir-se-á sobre o município (etc.). E uma legislação municipal deve tratar dos procedimentos administrativos fiscais, do contraditório, dos graus de recurso, etc.
  2. no caso da fiscalização pelo conselheiro tutelar (ECA) para com os programas com medidas sócio-educativas: – expedir ato de investidura contendo esta especificidade, e uma legislação municipal deve tratar dos procedimentos administrativos fiscais, do contraditório, dos graus de recurso, etc.
  3. no caso de ‘voluntário credenciado’, figura do ECA (e que pode ser o conselheiro): – expedir ato de investidura contendo esta especificidade, posto que, no exercício de suas funções, a sua conduta refletir-se-á sobre o município (etc.). E uma legislação municipal deve tratar dos procedimentos administrativos fiscais, do contraditório, dos graus de recurso, etc.
  4. constituir estes ‘agentes fiscais’ com atuação no âmbito da assistência social, porquanto esta política, ao estabelecer suas normativas, trouxe para si a competência e responsabilidade sobre as políticas de proteção social especial de média e alta complexidade e, consequentemente, o compromisso sobre o controle social no pertinente aos direitos humanos.

Por todo o exposto, é de se concluir que será conveniente e oportuno buscar desde já um fórum de discussão sobre esta temática, para que no futuro próximo estejamos devidamente enquadrados na legislação de 1991, 1993 e 2003 que ainda, em nenhum município, encontrou campo propício à iniciativa.

1 O poder de polícia (fiscalização) alcança, também, as entidades que não realizaram sua inscrição.
2 A Teoria dos Poderes Implícitos. A teoria dos poderes implícitos — hoje universalizada – constitui-se em um verdadeiro postulado basilar de hermenêutica, um inquestionável, eficaz e eficiente instrumento interpretativo. A principiologia e axiologia dele emanadas embasam a técnica lógico-racional de interpretação judicial. Sob o ângulo da doutrina nacional, tem-se utilizado largamente desse fundamental postulado de hermenêutica, mostrando-se inteiramente essencial (e pertinente), bem por isso, o conhecimento do teor da máxima dele precedente: “quem pode o mais, pode o menos”.
In: http://www2.oabsp.org.br/asp/esa/comunicacao/artigos/poderes_implicitos.pdf
You may also like
Assistência Social: A Cidadania no Século XXI
Perspectiva do Plano Decenal e a trajetória dos Conselhos de Direitos da Criança em Santa Catarina (1992/2007)

Leave Your Comment