Cidadania Gestão

A dignidade humana deve ser juridicamente sustentada.

Helio Abreu Filho
Advogado, Administrador , Sanitarista e Mestre em Adm. Pública.

Normas programáticas são as normas constitucionais nas quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos.

Importa então saber, que dentre as espécies de normas constitucionais temos aquela de eficácia plena e aplicabilidade imediata, como por exemplo, o texto expresso no artigo 1º da CFRB, in verbis: “A República (…) constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana (…).” Neste caso, a norma produz a plenitude dos seus efeitos, independentemente de complementação por norma infraconstitucional. Reveste-se dos elementos necessários à sua executoriedade, tornando possível sua aplicação de maneira direta, imediata e integral.

Uma outra espécie, por exemplo, a de eficácia contida e aplicabilidade imediata, alcança os direitos e garantias fundamentais (Artigo 5º e seus parágrafos). São aquelas que produzem a plenitude dos seus efeitos, mas pode ter o seu alcance restringido. Também têm aplicabilidade direta, imediata e integral, mas o seu alcance poderá ser reduzido em razão da existência na própria norma de uma cláusula expressa de redutibilidade ou em razão dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Mas enquanto não materializado o fator de restrição, a norma tem eficácia plena.

A questão que se estabelece, então, é se as normas programáticas são auto executáveis, ou seja, se os direitos sociais de caráter prestacional face ao artigo 5º, parágrafo 1º da CFRB (3) são auto executáveis.

Para os doutrinadores, entre estes Fernando Gomes de Andrade (1), se considerarmos os direitos sociais básicos direitos absolutos, como foram reputados os direitos de liberdade durante o predomínio do velho Estado de direito, “têm eles aplicabilidade imediata”. Para Andrade, este preceito constitucional “confere eficácia plena a todo o catálogo de direitos e garantias fundamentais, sejam individuais ou sociais, bem como todos aqueles expressos ao longo de toda a Constituição e nos tratados internacionais”. Este entendimento também é esposado por Ingo Sarlet (2), para quem “há como sustentar a aplicabilidade imediata (por força do artigo 5º, parágrafo 1º da CF/88) de todas as normas de direitos fundamentais constantes do catálogo (arts. 5º a 17), bem como dos localizados em outras partes do texto constitucional e nos tratados internacionais.”

Em base este enfoque doutrinário, a jurisprudência vem se formando, construindo esta conexão entre os direitos fundamentais e a condição de eficácia plena e aplicabilidade imediata, ou seja, a condição de auto executáveis. É que expressa, por exemplo, a Apelação Cível Nº 70029912433, Vigésima Primeira Câmara Cível (Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em 10/06/2009):

MEDICAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. EFETIVIDADE. DEVER DO ESTADO. ARTIGOS 196 E 198, INCISO I, AMBOS DA CF/88, LEI Nº 8.080/90, ARTIGOS 4º, “CAPUT”, E 9º.

I. O SUS, (…), tendo por finalidade garantir o direito constitucionalmente assegurado a saúde, seja individual ou coletiva, devendo para tal, fornecer medicamentos aos indivíduos que comprovem sua necessidade, independente do grau de complexidade para obtenção, sob pena de violação ao princípio da dignidade humana.
II. A União, o Estado e o Município ostentam legitimidade passiva ad causam para figurar no feito em que se discute o acesso ao fornecimento de medicamento de elevado custo, haja vista a solidariedade que emerge da exata dicção do art. 196 da Carta Cidadã.
III. É obrigação do Estado garantir às pessoas desprovidas de condições financeiras, o direito ao recebimento de medicamentos e qualquer tratamento necessário à cura de suas enfermidades.
IV. (…).
V. (…). Nesse padrão de raciocínio, sendo o direito à saúde inserido na categoria dos direitos fundamentais, sua aplicação se mostra imediata e incondicionada, não ostentando as correspondentes normas, pois, de caráter programático, como bem decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos seguintes termos:
VI. A saúde, elevada à condição de direito social fundamental do homem, contido no art. 6º CF, declarado por seus artigos 196 e seguintes, é de aplicação imediata e incondicionada, nos termos do parágrafo 1º do artigo 5º da C. Federal, que dá ao indivíduo a possibilidade de exigir compulsoriamente as prestações asseguradas.”

Em base a este encaminhamento de ordem doutrinário e jurisprudencial, com acerto a expressão utilizada por Fernando Gomes de Andrade (1): “(…) não podemos admitir que os direitos fundamentais tornem-se, pela inércia do legislador, ou pela insuficiência momentânea ou crônica de fundos estatais, substrato de sonho, letra morta, pretensão perenemente irrealizada, ou o que lhe valha.”

Assim, a ameaça ou a violação a dignidade humana, e mais especificamente no âmbito da assistência social, não há de aguardar a oportunidade, a relevância, a discricionariedade da burocracia estatal. Diagnosticada a hipossuficiência, percebida a exclusão social, impõe-se, de imediato, o restabelecimento do direito ameaçado ou violado.

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