Helio Abreu Filho
Advogado, Administrador , Sanitarista e Mestre em Adm. Pública.
Este texto expõe minimamente a história do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente e do Fórum de Entidades em Santa Catarina, com base em documentos e experiências vivenciadas pelo autor, podendo ocorrer algum equívoco na alocação de conteúdos e sua datação, no que se abre à possibilidade de contribuições para seu aprimoramento.
Afinal, esta história foi construída não por um, mas pelo conjunto dos atores e protagonistas dos movimentos sociais pró implantação e implementação da política da infanto-adolescência estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente.
- INTRODUÇÃO
A 8ª Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente possui como tema “CONSTRUINDO DIRETRIZES DA POLÍTICA E DO PLANO DECENAL”.
A conferência tem por finalidade balizar a elaboração de um Plano Decenal da Política de Atendimento dos Direitos da Criança e do Adolescente em 2010.
O Caminho escolhido pelo CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) foi o de elaborar um Plano Decenal de Garantia dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes com 04 (quatro) propósitos claros, para os quais buscaremos agregar elementos basilares que lhe possam dar solidez. Eis as reflexões e os propósitos do CONANDA quanto ao Plano Decenal:
(1) ser um projeto de Estado (não de um Governo);
‐ Deve ser considerada uma Política Institucional ou Social?
(2) possuir uma dimensão política e pedagógica;
‐ Quais os elementos da proposta político‐pedagógica?
(3) integrar o Estado e a sociedade na efetivação de políticas públicas;
‐ Os conselhos e a Rede de Atendimento são estratégias adequadas para integração?
(4) enfrentar as atuais situações de ameaças e/ou violações dos direitos.
‐ O que está sendo feito prioriza esta política pública?
Neste sentido, deixa claro o seu objetivo: ‘Analisar, definir e deliberar as diretrizes da Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente com vistas à elaboração do Plano Decenal.’
E a elaboração das diretrizes será norteada por 05 (cinco) eixos orientadores e baseada nas normativas, nos documentos e planos nacionais já construídos, portanto, compreendendo uma parte da história dos Conselhos municipais e estaduais:
EIXOS:
- promoção e universalização dos direitos em um contexto de desigualdades;
- proteção e defesa no enfrentamento das violações dos direitos humanos de crianças e adolescentes;
- fortalecimento do sistema de garantia dos direitos;
- participação de crianças e adolescentes nos espaços de construção da cidadania;
- gestão da política.
É na perspectiva de contribuir com este momento que fazemos um balanço da história dos conselhos dos direitos em Santa Catarina, a partir das articulações do CEDCA/SC (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente) pois, no nosso entendimento, o futuro tem a ver com a dinâmica e os conteúdos do nosso passado. E compreendê‐lo será vital para os passos seguintes, que nos serão cobrados pelos adolescentes que hoje conosco contribuem para construção da ‘nova’ história.
- PRECEDENTES HISTÓRICOS
O CEDCA‐SC, criado em 1991, projetou sua ação na assessoria aos municípios objetivando a implantação e implementação dos Conselhos Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente e Conselhos Tutelares.
À medida que o número de municípios aumentava (de 193 para 263, em 1994), o CEDCA‐SC ampliava sua atuação, como também as parcerias.
2.1 Primeiro Momento: 1991 a 1996
Numa perspectiva histórica, estabelecemos o primeiro passo do CEDCA‐SC, período entre 1991 a 1996.
Neste período, destacamos os seguintes registros:
(1) Entre 1991 e 1993
(a) O CEDCA‐SC se instrumentaliza em termos normativos e prepara a capacitação e orientação para formação de conselhos municipais. São constituídas as Comissões de Normas e Legislação, Convivência Familiar e Comunitária, Financiamento (Fundo para Infância), Estudos e Pesquisas. O primeiro conselho tutelar é criado em Palmitos;
(b) O Governo do Estado, estimulado pelo CEDCA‐SC, adere ao Pacto pela Infância (Compromisso Governadores e Prefeitos), inspirado na Cúpula Mundial pela Infância. Coordenado pelo UNICEF, pela CNBB, OAB, pelo Ministério Público (MP) e o sociólogo Herbert de Souza.
As metas foram:
- a redução da mortalidade infantil;
- acesso a saneamento e água;
- o aleitamento materno exclusivo; e,
- a imunização.
(2) Em 1993, o CEDCA‐SC
(a) publica o artigo Noções Gerais sobre o Fundo para Infância e Adolescência ‐ FIA (DOE, 17.03.93), com apoio do Tribunal de Contas do Estado de SC;
(b) articula nacionalmente a obtenção de orientação da Receita Federal para compreensão do Decreto 794/93, visando doação pelas pessoas físicas e jurídicas (Ofício ao Ministro Fernando Henrique Cardoso);
(c) publica a cartilha ‘Prestação de contas da aplicação do FIA/SC’ ; o Governo do Estado lança o ‘Prêmio Catarinense aos Programas de Proteção’;
(d) realiza o primeiro Evento sobre criação e gestão do FIA, em parceria com a Associação das Entidades Filantrópicas (ASSEF/SC) e o Tribunal de Contas.
(3) Em 1994, o CEDCA‐SC
(a) seleciona alguns indicadores sociais, provenientes da Saúde e Educação, para início do processo de controle social;
(b) estabelece parcerias com Universidades para início de um processo de capacitação regionalizado;
(c) colabora na capacitação de Promotores de Justiça;
(d) realiza a operacionalização do FIA (U$$ 1 milhão dólares);
(e) contribui com os estudos do Ministério Público visando a realização do Inquérito Civil Público para diagnóstico da implantação dos conselhos; e, também com a Audiência Pública realizada em Chapecó (SC), para obtenção de indicativos visando o combate à prostituição infanto‐juvenil (nomenclatura da época), de onde resultou a criação do Fórum Estadual de combate à violência e exploração sexual.
(4) Em 1995, o CEDCA‐SC participou da campanha capitaneada pelo UNICEF, que tratou do combate à exploração sexual de crianças e adolescentes, além de ter a acompanhado a fundação da Associação Catarinense de Conselhos Tutelares (ACCT), capitaneada por Paulo Vendelino Kons.
(5) Em1996, o CEDCA‐SC
(a) obteve sucesso na criação de mais de 80% dos conselhos municipais dos direitos dado o efetivo trabalho do Ministério Público Estadual (Dr. Jose Francisco Hoepers) com o Inquérito Civil 001/95, realizado entre Ago/95 e Dez/96[1];
(b) apóia o Ministério Público, que investe na capacitação dos Promotores de Justiça e assume o papel de estimulador da implantação e implementação dos Conselhos;
(c) articula‐se com o Fórum DCA que cria seu processo de regionalização;
(d) lança a Cartilha: “CMDCA, Conselho Tutelar e FIA: Perguntas e Respostas”, com participação do Tribunal de Contas do Estado (Dr. Salomão Ribas Junior) e do Tribunal de Justiça (Des. Fernando Antonio do Amaral e Silva)[2];
(e) divulga a importância da realização do ‘teste do pezinho’ como direito da criança recém‐nascida e consorcia‐se ao Ministério Público (Dr. Alexandre Herculano Abreu) na demanda das Ações Civis Públicas que buscam estadualizar esta iniciativa.
2.2 Segundo Momento: 1997 a 2004
No segundo momento do CEDCA‐SC, período que estabelecemos entre 1997 a 2004, destacamos:
(1) 1997 (1º Semestre)
(a) O Conselho vivenciava três desafios:
- integrar as organizações que atuam na questão Criança e Adolescente;
- obter reconhecimento da Sociedade Catarinense;
- possuir um diagnóstico dos Direitos Violados e o conhecimento das ações implementadas.
(b) O Conselho prioriza o “planejamento participativo”, com apoio do INSTITUTO ÀGORA, focando nos conceitos e estratégias de:
- governabilidade;
- legitimidade;
- integração;
- capacitação;
- comunicação;
- definição de papéis (Secretaria Executiva).
(2) 1997 (2º Semestre)
(a) Realização das primeiras Conferências municipais, com assessoria do Prof. Guaracy de Almeida, a qual contou com:
- o documento “Levantamento da Realidade do Município”, construído por todos os municípios; e
- uma Comissão Organizadora (primeira), integrada pelo Ministério Público (Dr. Gercino Gerson Gomes Neto e Alexandre Herculano Abreu), pelo Fórum do DCA (Profa. Elaine Paes e Lima, Artur Feijó, Pe. Dilmar Sell, Sandra Schilichting), pelas Secretarias de Estado, pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Extensão Universitária, pela Federação da Associação dos Municípios e pelas Universidades.
(b) As ações e articulações decorrentes da Conferência resultaram num processo contínuo de capacitação: – Seminários Regionais/Ação ‐ Seminário Estadual/Ação – Conferências Municipais/Regionais/Estadual ‐ Seminários Regionais/Ação ‐ (…) ‐ (…), papel hoje ‘assumido’ pela ACCT – Associação Catarinense de Conselhos Tutelares.
(c) Os encaminhados das Conferências Regionais mostraram um amplo debate público (15.000 pessoas) e a existência de um novo perfil de gestão, com a presença dos conselhos no Governo Municipal, destacando dois fatores:
- Cultural, que diz respeito à forma como os valores éticos influem na conformação das instituições e nas suas relações: – subalternidade que os Conselhos expressam ante os Poderes constituídos; e, a não assunção do Conselho como entidade máxima na formulação de políticas;
- Estrutural, que se relaciona ao caráter estratégico‐operacional, envolvendo: – divulgação ‐ capacitação ‐ estrutura ‐ fluxo de informação.
(d) Na Conferência Estadual, percebeu‐se que é necessário refletir sobre as implicações de um Modelo de Gestão que prioriza a Democracia Participativa, que se compõe dos seguintes elementos:
- a democracia representativa lhe é complementar;
- o planejamento participativo, a prestação de contas do Fundo da Infância (FIA) e a divulgação das deliberações são atividades continuadas;
- a prestação de contas e a divulgação são contínuas;
- o reordenamento das instituições é uma atividade continuada.
(3) 1998
(a) O Ministério Público Estadual (Dr. Gercino Gerson Gomes Neto) assume o compromisso de implementar os conselhos nos municípios faltantes, mediante os TERMOS DE AJUSTE;
(b) Iniciam‐se os Seminários Regionais que tiveram por finalidade:
- constituição do espaço regional de discussão (10) e avaliação pós‐conferência (3.200 pessoas);
- capacitação dos participantes;
- divulgação e prestação de contas dos encaminhamentos pós‐conferência.
(c) Realização de Seminários Internos com as Secretarias de Estado responsáveis pelos eixos temáticos da conferência, buscando um Protocolo de Ação Integrada e articulada, focando nos vazios das políticas públicas (serviços especiais do artigo 86). Ocorreu interrupção nestes trabalhos, após manifestação de três Secretarias de Estado, devido a dificuldades internas do CEDCA‐SC.
(4) 1999
(a) o processo de planejamento descentralizado do CEDCA/SC, que permitiu:
- legitimar o CEDCA/SC como órgão de representação no Estado (artigo 14 da
Constituição Estadual);
- estabelecer indicativos para o Plano Estadual de Garantia e Defesa dos Direitos;
- acrescentar temas‐eixo de interesse do Estado, nas próximas conferências;
- a participação de adolescentes em grupos de trabalho específicos, nas conferências regionais e estadual.
(b) O CEDCA iniciou em 1999, a pedido do CONANDA, uma campanha estadual contra a proposta de lei que visava à redução da idade penal[3]8 (de 18 para 16 anos).
(5) 2000/2003
(a) O CEDCA/SC consolida a participação dos adolescentes nas Conferências Municipais de 2003, assumindo que:
- os educadores, na afirmação dos limites e na apresentação de propostas pedagógicas, não devem sobrepor‐se às vontades e aos interesses dos meninos e das meninas;
- a superação da ameaça e violação aos direitos das crianças se dá na integração com outras temáticas e outros movimentos sociais;
- a política para a infanto‐adolescência só será efetiva se “for capaz de escutar, envolver e responder aos desejos, sonhos e às aspirações das crianças e dos adolescentes.” (CONANDA/2009).
(b) A Conferência Estadual de 2003 obtém dos adolescentes um conjunto de indicativos:
(c) São constituídos:
- grupo de estudos CEDCA/CEAS informando que a articulação entre conselhos esbarra na questão conceitual/cultural, isto é, com perspectivas de atuação diferenciadas. Os conselhos setoriais focam sua ação no atendimento às necessidades humanas e políticas públicas (saúde, assistência social, trabalho, …), enquanto os conselhos dos direitos possuem como foco o restabelecimento do direito violado e/ou ameaçado;
- parceria com o Governo do Estado para desenvolver o programa Tecendo a Cidadania, para proceder à aproximação e capacitação dos conselheiros de todos os conselhos (além dos agentes sociais);
- proposta de elaboração conjunta do Plano Integrado de Ações (conselhos setoriais e dos direitos), em cujo processo se vai definir e estabelecer o marco conceitual e operativo do novo modelo de gestão.
- O NOVO MODELO DE GESTÃO: a partir de 2005
O marco cultural/conceitual, para desenvolvimento deste novo Modelo de Gestão, encontra‐se estabelecido nos documentos produzidos em seminários e conferências regionais e estaduais, a partir de 2005, e diz respeito ao relacionamento humano, ou seja, a atitude dos atores em relação a:
- cidadania e democracia;
- direitos humanos;
- solidariedade – pessoal e grupal;
- conselhos setoriais e dos direitos, como espaço de trabalho para a cultura da cidadania;
- desenvolvimento humano e visão do ser humano como sujeito de direitos.
Quanto ao marco estrutural/operacional, percebe‐se nos indicativos extraídos das Conferências Estaduais uma prioridade comum quanto ao reordenamento institucional, seja:
- quanto à missão e visão dos conselhos, como espaço de construção do Estado de Direitos (condição para exigibilidade dos direitos);
- quanto às práticas institucionais das entidades governamentais e não governamentais; ou,
- quanto ao fluxo de trabalho no conselho, com suas plenárias, comissões, sua secretaria executiva e seu processo de regionalização.
E é a partir da vivência da experimentação dos conceitos e das práticas, pelas entidades governamentais e não governamentais, nas Conferências e nos Fóruns Participativos, que se instala o grande desafio de ‘assumir e incorporar, definitivamente, a cultura da Política de Ações Integradas e de Proteção Integral’.
Assim, nesta perspectiva história, a caminhada da terceira fase dos Conselhos dos Direitos, em síntese, ocorre sobre os seguintes eixos:
Terceira Fase (a partir de 2005)
- a) ação integrada (governo e sociedade);
- b) homem integral (biopsicossocial e espiritual);
- c) cidadania plena (exigibilidade dos direitos).
Este processo de interações desencadeados pelos conselhos em Santa Catarina, leva a crer que a participação social vai encontrar forças para superar as dificuldades do descrédito e desmobilização da sociedade civil, na estruturação de um processo educacional onde o especial interessado seja o ‘sujeito’ social (as crianças e os adolescentes, adultos e idosos), ou seja, uma Escola da Cidadania.
Aliás, de acordo com José Antônio Gomes de Pinho[4], o controle social necessita de dispositivos formais ágeis e conhecidos, posto que, mesmo as camadas mais privilegiadas da sociedade não possuem o conhecimento suficiente de como funciona a máquina estatal.
Esta necessidade de uma atitude comprometida com o futuro emerge forte na afirmativa de Ana Maria Campos[5] para quem “quanto menos amadurecida a sociedade, menos provável que se preocupe com a participação social, com a resolutividade do serviço público e com a responsabilização dos seus gestores.”
E, hoje, a história do CEDCA/SC consagra e confirma que somente com agentes sociais e uma sociedade consciente e culturalmente qualificada, poder‐se‐á influenciar não só o processo de identificação de necessidades e orientação das demandas sociais, mas também a cobrança quanto à efetividade dos programas e serviços públicos.
Neste processo histórico, é fundamental que se incentive a autoconfiança da população, especialmente das entidades representativas da sociedade, para adoção de uma postura pró‐ativa ante o modelo de gestão praticado pelo Estado, que vem pautado nas bases e concepções da democracia representativa[6], bem como, se estimule a disposição destas entidades para exigir o direito do cidadão de ter direitos.
É, pois, no interior dos conselhos setoriais e dos direitos que se trava, na atualidade, um grande enfrentamento que diz respeito não apenas a melhor forma de atendimento de demandas sociais específicas, Mas também e, em especial, ao modelo de reestruturação do espaço público brasileiro que está emergindo da crise do Estado autoritário, centralizador e privatista.
Aliás, as Conferências Estaduais de todos os conselhos setoriais e dos direitos têm insistido na importância que deve ser dada às relações interpessoais e interinstitucionais para aprimoramento do modelo de gestão.
Nesse momento, é bom recolocar o tema GESTÃO DA POLÍTICA e lembrar a contribuição do CONANDA, quando traz à lume os princípios constantes da constituição federal e que compreendem o Pacto Federativo, quais sejam:
(a) descentralização político‐administrativa, para a qual cabe:
- a coordenação e as normas gerais das políticas sociais à esfera federal e
- a coordenação e execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal; e,
(b) participação da comunidade na formulação e no controle dessas políticas.
Lembra o CONANDA sobre a definição da regulamentação destes princípios pelo Estatuto da Criança e do Adolescente:
(a) quanto à descentralização político‐administrativa:
‐ que a Política de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente será feita (normatizada, coordenada, executada) por um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
(b) quanto à participação da comunidade:
‐ pela existência dos Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente, órgãos paritários entre governo e sociedade civil.
E, nesse sentido, o CONANDA, ao centrar seu desafio no “Aprimoramento do Pacto Federativo”, estabelece como principal limitação para implementação da Política Nacional a inexistência, nos Estados e Municípios, de órgãos similares à SubSecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, responsáveis por tais funções. E, na eventual existência, estes possuem a limitação de operar a execução de serviços, em detrimento do papel de articulação.
Contudo, a gênese catarinense nos remete pouco mais longe, para a constituição de uma Agenda de Garantias para a Cidadania, presente, subrrepticiamente nas manifestações de todos os conselhos (setoriais e dos direitos), e que enuncia existir … ou ser outra, a limitação: – a “capacidade” das lideranças e instituições, de modo articulado, enfrentar e compreender a profundidade da questão: – superação da individualidade.
A forma como responder a esta questão determinará o sucesso da influência da Sociedade nas ações do Estado, permitindo‐se o exercício e desenvolvimento de controles sociais eficientes. E isto requer um projeto de educação em massa, a longo prazo, além do exercício social em mecanismos legítimos e conhecidos da democracia participativa, como conselhos e fóruns.
Nesse sentido, alerta Sheila Maria Reis Ribeiro[7] para que o controle social funcione, é preciso conscientizar a sociedade de que ela tem o direito de participar desse controle; é preciso criar instrumentos de participação, amplamente divulgados e postos ao alcance de todos. Enquanto o controle social não fizer parte da cultura do povo, ele não pode substituir os controles formais hoje existentes.’
Posto que esta divisão do poder de decidir, que viabilizaria o Plano de Ações, não é encarado com simpatia, no mais das vezes, pelos homens públicos, a sociedade deve se preparar para conquistar, a cada dia, esta participação. E, neste sentido, a negociação para construção de um Protocolo de Intenções apresenta‐se como um caminho ideal para realização imediata, junto aos Poderes Públicos, de alguns dos direitos estabelecidos na letra das leis.
O Protocolo, ao invés do Termo de Ajuste, realizado pelo Ministério Público, oportuniza a aproximação entre Estado e cidadão, na medida em que o espaço público dos conselhos é utilizado para a negociação do que poderá ser realizado por primeiro, em relação às conquistas já estabelecidas em lei. Afinal, o Conselho é o protagonista da democracia participativa, não o Ministério Público.
Uma vez que o Protocolo de Intenções poderá se tronar uma aspiração de todos os conselhos, setoriais e dos direitos, é previsível a nucleação de interesses, numa Agenda de Garantias para a Cidadania, onde incluísse o PROTOCOLO DE INTENÇÕES como Fase Institucional 1 e o PLANO DE GARANTIA DOS DIREITOS (Plano Decenal, proposto pelo CONANDA) como Fase Institucional 2. E, na construção deste Plano de Garantias, importante será incorporar os interesses do setor social e econômico, posto que este será o momento propício para realização do ajustamento do setor econômico ao social, transformando em política pública o discurso da RESPONSABILIDADE SOCIAL[8], no âmbito empresarial, agora na iminência da implantação da ISO 26.000.
Nascerá daí, a imperatividade de se constituírem os Fóruns Ampliados Econômicos-sociais, que poderão ser articulados pelas Comissões Regionais dos Conselhos e Fóruns Participativos, pelas Secretarias de Estado Regionais, pelas Associações de Municípios e pelo SEBRAE, dentre outros atores.
Consoante expressa Antonio Carlos Gomes da Costa[9], o termo política utilizado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente traduz‐se na ‘articulação de estratégias e ações’ para sucesso das políticas públicas (Políticas de Estado).
As Políticas de Estado ou políticas públicas podem ser classificadas[10] como institucionais, sociais e econômicas, estando voltadas para o atendimento de necessidades humanas específicas, incluso a proteção a direitos ameaçados e o restabelecimento dos direitos humanos violados.
Assim, uma política pública ou estratégia de atendimento aos direitos humanos (direitos sociais) deve ser formulada e articulada pelos conselhos dos direitos, devendo o Estado e a Sociedade procederem, em seus organismos, ao reordenamento institucional previsto em lei, revisando com isto, conteúdo, método e gestão.
O mineiro Antonio Carlos Gomes da Costa, 60 anos (2009), é pedagogo, passou pela administração da Febem, de Ouro Preto e do Estado de Minas Gerais, foi oficial de projetos do Unicef e da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Trabalhou como perito no Comitê dos Direitos da Criança da ONU, em Genebra (Suíça) e participou, no Brasil, do grupo de redação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Importante anotar que as políticas de direitos humanos passaram a permear as políticas de assistência social a partir da implantação da Norma Operacional Básica (NOB//2005) do Sistema Único da Assistência Social (SUAS). Isto porque, a NOB/2005, ao conceber a política de proteção social básica e de proteção social especial, tratou de incluir nesta última os serviços especiais e a proteção juridicossocial previstos no artigo 86 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Ao transpor os avanços institucionais previstos na lei para o cotidiano, o Estado Brasileiro constituiu o arcabouço da democracia participativa para, junto à democracia representativa, substantivar o Estado de Direito e o novo modelo de gestão pública.
Este novo modelo de gestão é constituído de novos conceitos de participação popular, abrindo possibilidades para:
- a) o comprometimento do setor público com a mobilização social (artigo 86, ECA);
- b) o exercício do controle social; e,
- c) a formação das redes de serviços à disposição da coletividade, especialmente daqueles segmentos vulnerabilizados, com direito violado ou ameaçado.
Para desenvolver o tema gestão, importante conhecer a classificação[11] enunciada por Paulo Cesar Maia Porto[12] e as definições que dela emergem.
Assim, para o autor, tanto o Poder Executivo quanto o Poder Judiciário e Ministério Público tiveram seus poderes alterados de alguma forma pela nova Constituição.
Para Paulo Cesar, o Poder Executivo, a quem cabe o principal papel na política de atendimento, compete efetivar todas as políticas básicas e assistenciais, sendo que muitas de suas funções são de execução imperativa, no que diz respeito à atenção à infância, à velhice e aos vulnerabilizados.
Esta responsabilidade, segundo o autor, pode ser visualizada:
- a) no novo papel da Polícia que, de órgão repressor, passa a ser, no Estado Moderno Constitucional, um dos principais defensores dos direitos humanos e do respeito às garantias constitucionais;
- b) no Poder Judiciário, que teve seu poder reduzido e reorientado;
- c) no Ministério Público, que foi alçado ao principal defensor da sociedade, como titular das ações públicas e fiscal da lei.
Assim, a Justiça deixou de exercer controle social da pobreza para assumir seu verdadeiro papel. Se a situação irregular é dos pais, pode o Judiciário materializar o direito a alimentos, tutela, ambiente familiar sadio, emancipação, etc. Se a “patologia” é do Estado, do Poder Público que não cumpre a sua parte, são invocáveis as ações civis públicas em torno de:
- direitos difusos (Exemplo: Saúde — indeterminação de sujeitos); e,
- direitos coletivos (Exemplo: grupo de meninos fora da Escola – descumprimento das políticas sociais).
Se a hipótese é de assistência social, um Conselho Tutelar, composto de cidadãos escolhidos pela sociedade civil, irá propiciar apoio, auxílio, orientação à criança, ao adolescente, inclusive à família.
A partir desta visão da sociedade, percebe‐se posicionados os pré‐requisitos para o funcionamento de um ‘sistema de normas gerais de proteção integral’[13]. Um sistema numa concepção diferente do que enseja o sentido tradicional, e que deve ser compreendido como um Plano de Garantias para promoção e defesa dos direitos, executável em Rede.
Neste ‘sistema’, denominado por Margarita Bosh[14]19 como ‘Sistema de Garantia de Direitos’, percebe‐se o verdadeiro sentido de um Estado Democrático, onde as instituições interagem, passam a se articular em Rede, existindo potencialidades e motivação para integração de ações.
Este Sistema de Garantia de Direitos (SGD), para se tornar resoluto, deve envolver a diversidade das instituições, ou seja, aqueles que:
- a) tem por missão promover o direito – fazendo acontecer;
- b) exercem o controle social – fazendo a vigilância para que o direito aconteça; e,
- c) tem a responsabilidade pela defesa do direito – fazendo com que se assegure o direito violado ou ameaçado.
O SGD é uma estratégia de gestão que articula uma atuação inclusiva, orgânica e complementar, que se expressa por um conjunto de ações (Rede) de promoção, controle e defesa dos direitos, compondo medidas específicas de ordem administrativa, política ou jurídica.
Percebe‐se, assim, que esta ação conjunta (Rede), nestes três eixos (promoção, controle, defesa), é que dará sustentabilidade para a efetiva gestão das políticas públicas, num Estado de Direito.
E como se encontra a Gestão da Política da Infância, vinte (20) anos depois do Estatuto? Quais os seus avanços na institucionalização e no aprimoramento dos mecanismos de exigibilidade dos direitos?
O CONANDA responde a esta questão apontando a existência de:
(a) conselhos municipais dos direitos da criança e do adolescente em 5.104 municípios, representando 92%;
(b) conselhos tutelares em 5.004 municípios, representando 88%;
(c) Defensorias Públicas presentes em 21 estados da federação;
(d) centenas de Centros Operacionais das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude;
(e) centenas de Varas Especializadas da Infância e Juventude;
(f) uma Rede de mais de 70 mil pessoas que dinamiza o SGD;
(g) melhoria do acesso ao ensino fundamental;
(h) queda na taxa da mortalidade infantil em mais de 56%;
(i) enfrentamento ao trabalho infantil ‐ redução de 50%;
(j) implantação das políticas públicas como:
- Sistema Único de Saúde – SUS,
- Sistema Único de Assistência Social – SUAS, e
- Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB;
(k) reconhecimento internacional do SGD, considerado por especialistas das Nações Unidas e do mundo acadêmico internacional (entre eles o Prof. Benedito Rodrigues dos Santos), a maior intervenção sistêmica baseada nos direitos da criança e do adolescente no mundo.
Contudo, toda esta atuação ainda merece preocupação da SEDH/CONANDA perante a Comunidade Internacional, haja vista que a pesquisa nacional: ‘Os Bons Conselhos: Conhecendo a Realidade, realizada em 2006, indicou como imprescindível:
(a) concentração de esforços nos municípios onde não existem CMDCA e CT e aprimoramento dos recém‐criados;
(b) grande desproporção regional (Norte e Nordeste);
(c) enorme complexidade de problemas nos conselhos, indicando a necessidade de melhoria geral no seu padrão de funcionamento.
Outros estudos realizados pela ABMP demonstram a necessidade de se avançar na implementação das Varas Especializadas (apenas 3% das comarcas brasileiras) e na ampliação de pessoal técnico qualificado. Noutra direção, uma avaliação recente do CONANDA aponta a necessidade de expansão e qualificação dos Núcleos Especializados em Infância e Adolescência e para a criação de Defensorias Públicas, naqueles estados onde ainda não foram constituídas.
Isto nos remete ao grande desafio, que é assumir e incorporar, definitivamente, a cultura da Política de Ações Integradas e de Proteção Integral, o que exige para dar certo, segundo se infere do estudo de COSTA[15], a contribuição de alguns pontos básicos: (a) vontade política; (b) articulação; (c) trabalho integrado (Rede); (d) capacitação; (e) recursos; (f) acompanhamento e avaliação.
Para superar essas dificuldades, o CONANDA/SEDH vem apoiando de forma técnica, política e financeira um conjunto de ações:
- implantar conselhos nos municípios onde eles não existem;
- implementar políticas de capacitação continuada para operadores do sistema de garantia de direitos;
- reformular e consolidar o SIPIA ‐ Sistema de Informação para Infância e Adolescência;
- fortalecer redes e fóruns dos atores do sistema de garantia de direitos.
Cada umas destas ações do CONANDA será apreciada a seguir, permeando, no que couber, com os eixos temáticos propostos para a 8ª CONFERÊNCIA NACIONAL.
1º PONTO – Implantação de Conselhos
Implantar conselhos implica, entre outros, no aceite pelo Poder Executivo, do modelo de gestão participativo e o exercício do controle social, bem assim, na percepção da pessoa humana como sujeito de direitos e não como peça decorativa na arquitetura social.
Este novo modelo de gestão, previsto constitucionalmente, pretende imprimir maior eficiência e eficácia à Administração Pública brasileira e efetividade nas políticas públicas.
A aceitação do novo modelo de gestão, que compreendia a presença do conselho municipal na Administração Pública, foi motivo de pesquisa[16] realizada em 1999.
A pesquisa partiu do pressuposto de que o Poder Executivo possuía receio quanto à perda do poder político no município e que os representantes governamentais no conselho não possuíam preparo adequado (o que se confirmou).
No transcurso do estudo, foi anotado um conjunto de facilidades e ameaças[17] para implementação da missão dos conselhos municipais dos direitos, ainda presentes na atualidade (embora com gradação de impacto diferenciada).
Para identificar aqueles fatores de maior influência na facilitação da missão dos conselhos municipais, a pesquisa realizou o estudo do Diagrama de Causalidade Sobredeterminante (relação entre causa e efeito).
A partir de uma correlação de forças destes fatores, pode‐se determinar que o destino do sistema se dá pela via da Capacitação, a qual influi no elemento Cultural que, por sua vez, somados às determinantes do Legal, podem determinar o sucesso da mudança na gestão pública (Vontade Política), ou seja, a aceitação da implantação dos conselhos municipais.
Admitindo‐se que a categoria Vontade Política e todas as demais compõem um sistema de influência cíclica, pode‐se afirmar que o verdadeiro eixo do sistema é o elemento ‘Legal’, que possui como agente o Ministério Público.
E o Ministério Público, no ano de 1999, dadas as ações desenvolvidas, encontrava‐se direcionando progressivamente todo o sistema, contrabalançando, em um processo dinâmico alternado com a ‘Cultura’, a qual sofria influência positiva das Conferências e dos Seminários Regionalizados.
Concluiu o estudo que basta investir nestes dois fatores para se obter uma tendência de sucesso na consolidação do novo modelo de gestão. Isto porque, a animação do fator legal vem ocorrendo pela atitude pró‐ ativa do Ministério Público e a animação do fator cultural vem ocorrendo pelos procedimentos e pelas modalidades de capacitação em curso.
Mas, o estudo também aponta para uma das principais dificuldades: a ausência de um ‘modelo de gestão participativa’ no âmbito da Administração Pública Municipal.
E uma das conclusões comuns aos Prefeitos Municipais e Conselheiros é que ambos se encontram cientes da necessidade de se operar o reordenamento institucional; portanto, possuem expectativas quanto a mudanças na gestão deste setor.
Quanto à perspectiva da incorporação dos Conselhos Tutelares como órgãos eficientes e eficazes para compor a Administração Pública Municipal, um conjunto de indicativos de ordem politicoadministrativa foi apresentado no VI SEMINÁRIO REGIONAL DA ACCT (2007), donde se extrai:
- reconhecimento do papel de zelador dos direitos da criança e do adolescente, desmistificando o conceito errôneo de que CT é um programa de atendimento;
- necessidade da criação/atualização do regimento interno no CT;
- atualização da Lei municipal que regulamenta a remuneração dos conselheiros tutelares, conforme as diretrizes da Resolução 75 do CONANDA;
- capacitação dos conselheiros tutelares, antes do processo eleitoral ou da posse, tendo continuidade permanente.
Nesta direção também o entendimento de Wanderlino Nogueira Neto[18], para quem o grande e verdadeiro problema do Conselho Tutelar é a falta de identidade do órgão. “No Brasil, os Conselhos Tutelares fazem apenas encaminhamentos para os promotores de Justiça e juízes. Eles só serão bons instrumentos quando assumirem a função de protetores dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes. É preciso que o Conselho Tutelar assuma sua autonomia funcional.”
Mas, é de se anotar no âmbito mais geral da Gestão das Políticas Públicas, que a Administração Pública permanece ampliando alternativas para uma maior eficiência e eficácia na gestão de seus recursos.
Este desejo, que provoca iniciativas diversas por parte do Poder Público, fez surgir, na atualidade, os contratos de gestão, instrumentos já previstos na Constituição Federal de 1988, no que devem prestar atenção os conselhos dos direitos e conselhos sociais.
Nestes contratos são explicitadas as diretrizes e os objetivos contidos no Plano de Governo (municipal, estadual ou federal), as ações e metas a serem atingidas e os recursos necessários a sua execução, para que o contrato cumpra a missão a que se destina.
Segundo Siqueira (2003), citado por LOCK et al[19], os contratos de gestão, surgidos na França no final da década de 60, são instrumentos de planejamento que podem ser utilizados pela Administração Pública para formalizar o compromisso das partes contratantes com a obtenção de resultados.
No Brasil, o Contrato de Gestão[20] surge como uma necessidade de não só patrocinar a utilização racional e de forma transparente os recursos disponíveis (sejam eles humanos, materiais ou financeiros), mas também como instrumento facilitador para execução das atividades de gerenciamento no setor público.
Dentre as diversas vantagens na utilização do Contrato de Gestão, destacam‐se três, por estarem afinadas com o modelo de democracia participativa em vigor:
- proteção dos usuários contra as decisões arbitrárias ou repentinas do Estado, priorizando necessidades gerais ou de política geral ligadas à situação orçamentária do próprio Estado;
- indução à austeridade na gestão dos recursos e no aumento da produtividade;
- obrigatoriedade na adoção de indicadores de desempenho, quantificáveis e mensuráveis (claros e consistentes), que se constituem nas metas associadas a cada objetivo, nas áreas específicas da Administração (Saúde, Receita, Educação, Assistência Social), o que implica na implantação de mecanismos de acompanhamento.
Assim, o contrato de gestão é uma ferramenta de planejamento e controle onde são pactuadas as metas a serem atingidas, as ações e os recursos necessários ao cumprimento da missão a que se destina.
E é dessa forma que a Secretaria Municipal de Assistência Social e Juventude de Florianópolis está enunciando seus objetivos e metas, numa proposta de CONTRATO DE GESTÃO, de cujo esboço se extrai os seguintes compromissos:
- observar algumas diretrizes estratégicas com foco na assistência social e na política dos direitos;
- utilizar indicadores globais (e ações para operacionalizá‐los) para avaliação de seu desempenho;
- apresentar o detalhamento de seu plano de trabalho anual, especificando as atividades a serem desenvolvidas, por área de responsabilidade, acompanhado da respectiva proposta orçamentária;
- IV. encaminhar os relatórios de atividades, na forma e no prazo definidos pelas partes;
- V. elaborar e submeter aos ‘órgãos competentes’ o relatório anual da execução do COMPROMISSO DE GESTÃO e a prestação anual de
Esta experiência única no país, no âmbito da Assistência Social, por certo contribuirá para visibilidade desta política pública, que se consolida cada vez mais como espaço privilegiado de articulação com as demais políticas públicas e construção da cidadania, mediante ações inclusivas.
2º PONTO – Implementação de políticas de capacitação
Implementar políticas de capacitação implica, entre outros, mudar as maneiras de ver e agir dos agentes sociais e agentes políticos.
Neste sentido, aponta COSTA[21], é necessário avançar em três eixos, com realização de mudanças efetivas.
O primeiro refere‐se à modificação do panorama legal, da legislação em si. “Isso já foi feito.” Com a redemocratização, afirma COSTA, “acertamos o passo com a comunidade internacional em termos de direitos humanos da criança e do adolescente”.
O segundo é reordenar as instituições que executam a política da área. Deve haver mudanças de conteúdo, método e gestão que substituam os conceitos usados na década de 80.
A partir do Estatuto, foram estabelecidos dois tipos de instituições: as que acolhem crianças vitimadas ou ameaçadas e as que abrigam os adolescentes infratores. “Antes, esses dois públicos iam para uma única instituição”. E, na opinião de COSTA, o Brasil já está caminhando para conquista desse segundo eixo, posto que os municípios estão constituindo Redes de atendimento capazes de adotar as medidas protetivas e as socioeducativas, necessárias à manutenção do direito à convivência familiar e comunitária.
O terceiro avanço é a melhoria das formas de atenção direta do atendimento. Propõe COSTA a necessidade de mudar as maneiras de ver, entender e agir das pessoas, presentes na família, sociedade (e suas organizações) e no Estado, substituindo o modelo assistencialista por um modelo de garantia de direito e educativo.
Este conteúdo deve orientar o alinhamento que deve possuir um projeto mudancista. De nada adianta implantar um processo de mudança, se não houver nos centros decisórios o cultivo da alteridade, que percebendo as diferenças, utiliza‐as para o crescimento, conjugando tolerância, trabalho e solidariedade.
Neste sentido, nos alerta CARVALHO que o funcionamento dos Conselhos dos Direitos está sujeito a conviver com obstáculos e incompreensões, o que é até natural, em se tratando de uma experiência humana inovadora, exemplificando situações como constrangimentos pessoais ‐ inexistência ou novidade das regras para desenvolvimento das relações ‐ má vontade ‐ o corporativismo ‐ diferenças pessoais.
Para desfazer ou se antecipar aos conflitos, nos parece aconselhável dar importância à ALTERIDADE, mola propulsora do desenvolvimento intelectomoral da humanidade, porque defende a:
(a) constante disposição para aceitar e aprender com os que são diferentes; e
(b) construção da fraternidade, apesar das divergências, respeitando‐as e procurando aprender com as diferentes opiniões.
Vivenciar ALTERIDADE não quer dizer abdicar de conceitos, deixar de discutir, debater, questionar, porque a discussão, o debate e o questionamento, além de saudáveis, são necessários numa humanidade que deseja a felicidade, com base na conquista da sabedoria.
Para convivermos bem na família, comunidade e organização temos que admitir a diversidade.
A diversidade é uma realidade irremovível na vida da humanidade e será ‘utopia e inexperiência tratá‐la como joio‘[22].
E, se não abraçarmos estas recomendações, se não buscarmos entender estes conceitos, como o conselho irá tratar, por exemplo, as ações de direitos humanos que visam:
- articular a universalidade do conceito de direitos humanos com a diversidade cultural e
- efetivar a universalização dos direitos com a superação das desigualdades.
E, para assegurar a universalização dos direitos humanos, por meio da execução de políticas públicas, faz‐se necessário conceber as crianças e os adolescentes em suas singularidades e nas condições que compartilham.
Trabalhar na perspectiva dos direitos humanos, no âmbito das políticas públicas (saúde, educação, assistência social, cultura, esporte, lazer, entre outras), é:
(a) enfrentar a reconfiguração das práticas culturais, e o ciclo de iniqüidades;
(b) romper com as condições que permitem a reprodução da miséria, e as múltiplas formas de violência e discriminação.
E, como responder com alguma competência a estas responsabilidades, sem que conheçamos a nós próprios?
E a resposta a esta questão nos faz lembrar JAQUES DELLORS, em sua assessoria à UNESC, mediante o artigo EDUCAÇÃO: UM TESOURO A DESCOBRIR, onde propugna:
(a) a libertação da ignorância pelo ‘aprender a conhecer’;
(b) sair do estado de conforto, com o ‘aprender a fazer’;
(c) vencer o egoísmo presente nos relacionamentos, com o ‘aprender a conviver’; e, (d) a busca da auto‐superação, com o ‘aprender a ser’.
O desenvolvimento destas qualidades, inerentes ao homem (“Despertar os valores ocultos”), permitirá preparar as organizações para atuarem em Rede, porque é requisito para o seu sucesso a:
- qualificação de seus componentes;
- capacidade de trocar;
- criação de oportunidades; e
- integração no sistema de relacionamentos.
3º PONTO – Reformulação e consolidação do SIPIA
Reformular e consolidar o SIPIA implica, entre outros, em conhecer os insucessos dos programas e serviços governamentais e não governamentais e transformar os dados em informações que nos oportunizem o redirecionar das ações visando alterar positivamente as realidades vivenciadas pelas crianças, pelos adolescentes e suas famílias.
Assim é também o interesse do Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes do Ministério da Saúde (MS/2006‐2007/27 UFs).
Este sistema revela a existência de variadas formas de violência contra a criança e o adolescente que estão a ocorrer em diferentes locais (residência, escola, comunidade, espaços de convivência).
E alguns dados anotados pelo CONANDA dão conta de que:
- 58% dos casos de violência contra a criança ocorrem nas residências;
- 50% dos casos de violência contra o adolescente ocorrem nas residências;
- a principal causa de morte na população adolescente são os homicídios (20 mil/ano).
É o que confirmam os dados registrados pelo SIPIA/MJ e pela pesquisa realizada pelo CEDCA/SC, em 2002, a partir de informações prestadas pelos Conselhos Tutelares:
Nesse sentido, segundo o CONANDA, a preocupação das Políticas Públicas focou‐se nos últimos 10 anos na violência; e, em Santa Catarina, vem de mais longe.
É o que se pode também inferir do conteúdo de um formulário‐consulta sobre a intervenção dos Conselhos Tutelares, utilizado pelo CEDCA/SC nos idos de 1993. Vejamos a percepção das violações que se tinha à época:
E esta preocupação do CONANDA ocorre em razão do prejuízo ou dos efeitos provocados pelas situações de violência, que comprometem:
- o aprendizado;
- as relações sociais;
- o pleno desenvolvimento psicossocial; e,
- a construção de um círculo de reprodução de violências.
Para fazer frente a este desafio, as Ações e estratégias em articulação pelo CONANDA e SEDH (Secretaria Especial de Direitos Humanos) buscam:
(1) a elaboração dos Planos Nacionais denominados de:
- a) Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes;
- b) Convivência Familiar e Comunitária; e,
- c) Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Trabalho do Adolescente.
(2) enfrentar a violência de maneira articulada, intersetorial, mediante:
- a) Programas de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte – PPCAAM;
- b) Escola que Protege;
- c) Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (PRO‐SINASE);
- d) Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI); e,
- e) Ficha de Notificação[23] de violências, dentre
Para a UNESCO, evitando‐se ou amenizando‐se as desigualdades, estaremos combatendo também uma de suas principais consequências: a violência.
Pesquisa recente da UNESCO, “Mapa da Violência: Os Jovens do Brasil”, apresenta dados preocupantes ao colocar o Brasil no quinto lugar em um ranking mundial de taxas de óbito por violência conjunta (acidentes de transporte, suicídios, homicídios e outras violências), entre jovens de 15 a 24 anos.
Os fatores influentes são de diversas ordens:
- pobreza reinante;
- crescentes dificuldades de inserção no mundo do trabalho;
- problemas da escolarização e do preparo profissional;
- cartelização expansiva da delinquência e da droga;
- diversos conflitos e violências (raciais, étnicas, econômicas etc.) no mundo;
- impunidade e perda de confiança na efetividade do sistema jurídico;
- vazios e conflitos da democracia e dos partidos políticos que levam a um profundo desinteresse.
A UNESCO também destaca algumas perspectivas recentes que começam a ganhar terreno no plano das políticas públicas no Brasil:
- 95% das crianças (ensino obrigatório) estão efetivamente nas escolas;
- a notável expansão do ensino médio, criando oportunidades para a juventude brasileira edificar um projeto de vida mais digno;
- as ações do Plano Nacional de Direitos Humanos apontam para cenários construtores de uma sociedade mais humana e sem violência;
- o combate às drogas e à AIDS nas escolas, com resultados transparentes.
No âmbito do combate à violência sexual contra crianças e adolescentes, alguns avanços[24] já vêm sendo identificados pelo CECRIA (2007):
- a) Incorporação do paradigma dos direitos e da proteção integral por parte dos órgãos policiais, do Ministério Público e dos Magistrados;
- b) Existência de Plano Nacional, Estaduais e Municipais de Enfrentamento à Violência Sexual Contra Crianças e Adolescentes, que vêm orientando, forçando e monitorando ações governamentais nessa área;
- c) Participação da rede de proteção em redes nacionais de enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes (Comitê Nacional, Pactos estaduais e regionais, Fóruns DCA, CEDECA, Frentes Parlamentares) e em internacionais (por exemplo, as de tráfico e desaparecimento de pessoas para fins sexuais).
Para a próxima década, o desafio percebido pelo CONANDA será o Combate à Violência, em cujo conjunto destacam‐se ações de:
(1) combate a trabalho infantil doméstico; trabalho agrícola; tráfico de drogas; pedofilia; tráfico de pessoas; exploração e violência sexual;
(2) implementação de mecanismos de proteção e identificação de abusadores contra crianças e adolescentes no meio virtual;
(3) conscientização das famílias (de que a violência intrafamiliar deixa sequelas emocionais que podem comprometer de forma permanente as crianças e os adolescentes).
Infere‐se dos apontamentos pesquisados, que as respostas para uma atitude institucional em relação à prevenção da violência estão sendo escritas sob a ótica de uma TRILOGIA, que implica obter uma resposta não só por parte do Estado, mas também pela sociedade e família.
4º PONTO – Fortalecimento de Redes e Fóruns
Fortalecer Redes e Fóruns implica, entre outros, na compreensão da importância da Rede e na obtenção da integração de conselhos setoriais e dos Direitos.
Quanto à importância da Rede, podemos afirmar que ela é essencial para a construção e implementação do Plano de Garantias. Ele é o instrumento básico que irá permitir a operacionalização dos direitos da criança e do adolescente, mediante a articulação do Sistema de Garantia de Direitos, de forma integrada.
E uma das ações do Plano deve ser o Programa de Combate à Violência e ao Abuso Sexual contra crianças e adolescentes que, em Florianópolis, implicou na confecção do Protocolo de Atenção Integral às Vítimas de Violência Sexual.
O objeto do protocolo é fornecer um atendimento integrado e de qualidade às vítimas de violência sexual, adultos ou crianças, estabelecendo caminhos a serem seguidos pelas entidades parceiras[25].
No que diz respeito à vontade de estabelecer uma aproximação entre conselhos, esta atitude nasceu de um estudo de integração entre a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que não foi operacionalizada depois de realizado o primeiro alinhamento.
O estudo foi realizado em 1997, em âmbito nacional, por Vicente de Paula Faleiros e Mario Volpi (Consultores do CONANDA/CNAS)[26], junto aos Conselhos de Assistência Social e Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente[27].
Os motivos que encaminharam esta decisão conjunta foram:
- a prioridade absoluta, existente na LOAS e no ECA;
- a diretriz comum de participação, controle social e descentralização;
- a necessidade de ação conjunta no controle de programas, projetos e serviços, bem como dos recursos orçamentários;
- o encaminhamento das deliberações das conferências; e
- o fortalecimento político dos conselhos.
Os consultores buscavam respostas sobre concepções e estratégias de integração entre os Conselhos de Assistência e os Conselhos dos Direitos, ou seja, entre a práxis da política pública de assistência social e da política de atendimento.
Os questionários foram respondidos por 65 Conselhos de Assistência Social e Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente.
A resposta de maior incidência nas relações entre os conselhos foi a de que ‘ambos deliberam sobre políticas, mas os conselhos dos direitos têm função mais articuladora de todas as políticas e os da assistência formulam política de atendimento específica da área da assistência social’. Nesse sentido, o foco de influência dos conselhos dos direitos não se restringe àqueles com direito violado ou ameaçado.
Ambos os conselhos também convergem em sua percepção quanto aos paradigmas da assistência social que, para eles, estão presentes na LOAS e no ECA, e que embasam os princípios da cidadania, da participação e do atendimento às necessidades básicas como direitos.
Quanto às dificuldades de relacionamento e à obtenção de estratégias de superação, destacaram‐se diversas categorias, umas voltadas à ambiência (cenário) interna[28] e outras, à externa[29]. Daquele estudo se anotou:
SITUAÇÃO 1 ‐ Competição por espaços e recursos humanos qualificados.
ESTRATÉGIA: construção de infraestrutura comum aos conselhos.
SITUAÇÃO 2 – Poder Executivo não se envolve com os conselhos.
ESTRATÉGIA: participação dos conselhos nas reuniões de Secretariado realizadas pelo Chefe do Poder Executivo.
SITUAÇÃO 3 – Presença de querelas pessoais.
ESTRATÉGIA: esclarecimento de competências dos conselhos e conselheiros produz movimento de superação dos entraves miúdos.
SITUAÇÃO 4 – Ausência de plano de trabalho articulado.
ESTRATÉGIA: definição de princípios, diretrizes, metodologia de trabalho, metas, recursos, cronograma e comprometimento, mediante Protocolo de Intenções.
Especificamente, sugestões[30] para impulsionar um processo de integração, os conselhos apresentaram nove formas de integração:
(a) reuniões conjuntas (ampliadas);
(b) elaboração de pesquisa ou diagnóstico em conjunto;
(c) seminários, congressos, fórum de debates ou similares.
(d) definição de padrões e critérios de atendimento;
(e) acompanhamento do orçamento;
(f) acompanhamento das ações e do reordenamento das instituições; (g) audiências públicas;
(h) transferência inter fundos;
(i) campanhas conjuntas na mídia, nas escolas ou em outros espaços e canais.
Este dado confirma uma assertiva dos consultores[31] no sentido que os conselhos precisam discutir as políticas no seu conjunto e não ficar apenas no encaminhamento de processos isolados.
Mas, em sua reflexão final, os consultores afirmam que a integração entre LOAS e ECA está no próprio paradigma da cidadania, que embasa ambas as leis, no combate ao assistencialismo e na exigência de um reordenamento institucional que garanta os direitos de todos os cidadãos.
E sobre isto é importante anotar as palavras do Juiz de Direito Pedro Caetano de Carvalho[32]38:
“Os Conselhos de Assistência Social precisam trabalhar em sintonia com o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente e vice versa. (…). Se a ação em conjunto levar a impasses não pevistos na lei, pode ser necessário o aprimoramento da legislação no que diz respeito à definição de competências. Como o Conselho dos Direitos tem acesso a todas as áreas ligadas à infância, inclusive a da assistência social, pode estar mais apto a tomar a decisão final. De qualquer modo, os direitos estabelecidos pelo Estatuto devem nortear todos os Conselhos.”
Com base nessas declarações e considerando:
- ser objetivo da 8ª CONFERENCIA NACIONAL, ‘analisar, definir e deliberar as diretrizes da Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente com vistas à elaboração do Plano Decenal.’
- o significado do termo ‘diretrizes’ como sendo: (a) ‘orientações existentes numa sociedade, decorrentes de influências culturais, tradicionais, religiosas e políticas, cujo cumprimento é imposto’; ou, (b) ‘direções (parâmetros) estabelecidos por uma classe social à outra classe social, no âmbito da Lei.’
Podemos enunciar e prospectar alguns elementos de contribuição para o trabalho que se inicia nestas conferências de 2009.
- a promoção e universalização dos direitos em um contexto de desigualdade envolve uma decisão de atitude pessoal, que implicará na reformulação de conteúdos e valores humanos impregnados nas organizações, representando uma proposta pedagógica e educacional apropriada, similar à proposta da UNESCO;
- a proteção e defesa no enfrentamento das violações de direito humanos passa pela existência de Planos Municipais de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes, conectados aos Planos Estaduais e Nacional, amparados na corresponsabilidade quanto às medidas de prevenção, envolvendo família, sociedade e Estado;
- o fortalecimento do sistema de garantia de direitos que compromete uma atuação em Rede de seus atores, nos diferentes eixos, bem assim, a formulação de políticas públicas e o controle das consequentes ações, mediante procedimentos articulados entre conselhos sociais e dos direitos;
- a participação de crianças e adolescentes nos espaços de construção da cidadania, incorporando a nova consciência que defende a consolidação das conquistas dos jovens pela participação social e política, impondo‐se a estruturação de um processo educacional onde o especial interessado, seja o ‘sujeito social’ (crianças, adolescentes, adultos e idosos);
- a adequação do atual modelo de gestão às exigências da Política de Garantia de Direitos e da Política de Assistência Social que institui o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), sob o paradigma da descentralização administrativa e dos projetos de gestão compartilhada.
No ano das conferências, o Estado de Santa Catarina aglutinou mais de 100 mil conferencistas, os quais construíram a história dos direitos da criança e do adolescente entre 1993 a 2007. E, o CONANDA, sabendo interpretá‐los em seus interesses e suas vontades, em nível nacional, escolheu um caminho que inicia com o processo de elaboração do Plano Decenal de Garantia dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes que, cremos ter agora mais e melhores elementos para contribuição.
Após estes esforços, se pudéssemos resumir toda esta caminhada em uma frase, diríamos:
“É absolutamente certo… que neste mundo nunca se consegue o possível se não se tentar, constantemente, fazer o impossível”. (MAX WEBER)