Helio Abreu Filho
Advogado, Administrador , Sanitarista e Mestre em Adm. Pública.
A menção da presença do advogado no rol de profissionais a compor as equipes multidisciplinares do SUAS¹ ocorre desde o ano de 2006, conforme previsto na Norma Operacional Básica de Recursos Humanos – NOB RH/SUAS, aprovada pela Resolução nº 269, de 13 de dezembro de 2006 do Conselho Nacional de Assistência Social.
A partir da Lei Federal 12.345/2011, que alterou alguns dispositivos da Lei n. 8.242/1993 (LOAS) e da publicação da Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social de 2012 (NOB/SUAS), a Gestão do Trabalho torna-se objeto de estudo acerca das competências e atribuições de cada profissional descrito no rol de trabalhadores do Sistema Único, entre eles o advogado.
Na descrição contida pela NOB-RH/SUAS/2006, o advogado compõe obrigatoriamente as equipes da Proteção Social Especial de Média Complexidade, em atuação especificamente voltada ao âmbito dos CREAS, sendo foco central do serviço especializado o atendimento dos indivíduos e famílias em situação de risco, e expostos às múltiplas violações de direitos, facultada a sua presença no CRAS.
Neste sentido, cumpre alertar que os Cursos de Graduação em Direito, por focarem temas processuais e patrimoniais, raramente lecionam conteúdo como o direito da criança e do adolescente, direito dos idosos, das pessoas com deficiência, da mulher, abordagem jurídica da violência doméstica, direitos sócio-assistenciais, entre outros.
O papel de um profissional do direito conciliador, mediador e o conhecimento sobre procedimentos extrajudiciais é exigência cotidiana no SUAS, sendo que o ajuizamento de ações não é prioridade do seu trabalho, o que, aliás, não é uma questão consensual, apesar do seu compromisso institucional junto ao CRAS² e CREAS³ e seu compromisso de ordem:
“Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observar a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os Direitos Humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas”.
Ora, se existe um espaço de atuação profissional visando o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, das políticas púbicas e da dignidade da pessoa humana, sem que o operador do Direito perca as suas peculiaridades de “múnus público”, este espaço de atuação é o SUAS, no que se inclui a judicialização.
Encontrando-se o usuário do SUAS na condição de extrema pobreza(4), e, impossibilitado de acessar advogados dativos(5) e Defensoria Pública(6)(até por dificuldades de locomoção, dada a localização geopolítico-administrativa da Defensoria), desponta-se a nosso ver, as condições para o ajuizamento da ação pelo advogado do CREAS. Afinal, os princípios e paradigmas constitucionais operam no sentido de derrubar barreiras que possam manter uma espécie de “monopólio de pobre”, bem como, no sentido de garantir o imediato restabelecimento de direito ameaçado ou violado, ali posto à vista do advogado do CREAS.
Assim, é nosso entendimento que extra ou judicialmente(7) se deva estabelecer, na execução da política da assistência social, a interação com demais políticas públicas (saúde, previdência, educação, trabalho, lazer, meio ambiente, segurança, habitação) para garantia e viabilização do acesso dos cidadãos aos seus direitos sociais(8).
No que tange a direção técnico-ético-política dos trabalhadores do SUAS, o conteúdo dos art. 4º a 7º da NO-RH/SUAS/2012 imprime as balizas ao trabalho interdisciplinar, mencionando pontos de convergência entre as profissões descritas na NOB-RH/SUAS 2006. E o art. 6º, inciso primeiro enuncia:
“São princípios éticos para a oferta da proteção socioassistencial no SUAS: I – defesa incondicional da liberdade, da dignidade da pessoa humana, da privacidade, da cidadania, da integridade física, moral, psicológica e dos direitos socioassistenciais.”
E neste trabalho interdisciplinar, construído pela equipe multiprofissional, é exigida a participação dos profissionais em reuniões e debates conjuntos de planejamento a fim de estabelecer as particularidades da intervenção profissional, bem como definir as competências e habilidades profissionais em função das demandas sociais e das especificidades do trabalho. A interdisciplinaridade, que surge no processo coletivo de trabalho, demanda uma atitude ante a formação e o conhecimento, que se evidenciam no reconhecimento das competências, atribuições, habilidades, possibilidades e limites das disciplinas, dos sujeitos, do reconhecimento da necessidade de diálogo profissional e cooperação.
E será esta estratégia que permitirá amalgamar(9) a atuação dos profissionais de nível superior do CREAS, na perspectiva da organização dos usuários, com vistas a viabilizar sua participação nas associações de bairros, nos fóruns sociais, nos conselhos sociais, permitindo-lhes intervir no cotidiano social, aprimorando os mecanismos de controle, de deliberação, divulgação e socialização dos debates de interesse comunitário e social, realizando suas conquistas pessoais e coletivas.
E para que o advogado venha a compreender seu papel neste contexto da assistência social do SUAS, importante estabelecer, minimamente, um conjunto de atribuições voltadas ao desenvolvimento de ações de prevenção, promoção, proteção e de restabelecimento do direito ameaçado ou violado, que são desenvolvidas pela equipe e pelo profissional do direito, as quais compreendem (dentre outras):
a) Membros da Equipe:
- realizar atendimento ao público;
- receber as denúncias;
- realizar levantamentos de casos das situações de violência;
- proferir palestras sobre direitos das crianças, adolescentes, idosos, mulheres, e público LGBT;
b) Individualmente (Advogado):
- proporcionar orientação jurídico-social para a equipe do CREAS (direitos de crianças, adolescente, mulheres, idosos, pessoas com deficiência e adultos, outros);
- prestar atendimento e consultoria jurídica aos usuários;
- fazer encaminhamentos administrativos no âmbito do SUAS;
- acompanhar/monitorar os procedimentos judiciais e extrajudiciais instauradas pelos usuários, mantendo informada a equipe multiprofissional;
- acompanhar usuários em Delegacias e Fóruns (denúncias, depoimentos, Boletins de Ocorrência);
- realizar atividades jurídicas inerentes ao operador do direito (estudar, avaliar, orientar), e, ‘advogar, em caráter emergencial, quando direitos individuais ou coletivos se encontrarem ameaçados ou violados, presentes as limitações para acesso a advocacia dativa e defensoria pública, substabelecendo a ação àqueles profissionais, tão logo possível.(10);
- propor atos, normas, instruções para melhor desenvolver as ações de proteção social (atos administrativos e anteprojetos de lei para preencher lacunas para proporcionar ou facilitar o acesso aos direitos sociais).
E para perfeito desenvolvimento de suas funções deve o advogado aprimorar permanentemente seus estudos, embasados nas principais legislações que são instrumento de trabalho dos profissionais do SUAS, dos quais destacam-se:
- Constituição Federal – CF, 1988;
- Lei Orgânica da Saúde – LOS/1991;
- Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS/1992;
- Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS / 1993;
- Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA/1990;
- Estatuto do Idoso – Lei 10741/2004;
- Política Nacional de Assistência Social – PNAS/2004;
- Política Nacional do Idoso – PNI/1995;
- Política Nacional de Integração da Pessoa com Deficiência – PNIPD/1999;
- Norma Operacional Básica de Assistência Social– NOBSUAS/2005;
- Novo Código Civil;
- Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS – NOB-RH/SUAS/2007; NOB/SUAS 2012
- Decretos e Portarias do Ministério de Desenvolvimento Social;
- Programa Brasil sem Homofobia.
Além destes textos legais, fundamental será a compreensão das seguintes áreas de atuação(11) da orientação jurídico-social:
- Direito da mulher e de vítimas de violência doméstica/intrafamiliar – direcionado à solução das questões relativas à repressão dos atos de violência praticados contra a mulher (Lei 11.340/Lei Maria da Penha);
- Direito da criança e do adolescente – garantir os direitos em casos de violência sexual, agressões, danos, violações e em situações de ato infracional (Constituição Federal de 1988; Lei 8.069/90-ECA; Decreto Lei 5.452/1943 – Dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho; Portaria 20/2001-Secretaria de Inspeção do Trabalho; Decreto 6.481/2008, de 12 de junho de 2008 – Trata das piores formas de trabalho infantil; Resolução nº113, de 19 de abril de 2006 do CONANDA e Normativas Internacionais);
- Direito da Família – em casos de tutela, guarda de crianças e adolescentes, reconhecimento de paternidade e maternidade, separação, divórcio, regulação de alimentos e visitas, interdição. Este procedimento será disponibilizado somente para o público alvo do CREAS. (Código Civil) e de forma incidental;
- Direito da Pessoa Idosa – defesa dos direitos da pessoa idosa, principalmente nos casos de violência familiar ou doméstica (Lei nº 10.741/2003 – Estatuto do Idoso; Constituição Federal de 1988 – BPC/Benefício de Prestação Continuada);
- Direito da Pessoa com Deficiência – defesa e proteção de crianças, adolescentes e adultos com deficiência (Estatuto da Criança e do Adolescente; Constituição Federal de 1988; Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência; A Proteção das Pessoas com Deficiência no Código Civil; Leis e Decretos);
- Proteção aos Direitos Humanos – população em situação de rua (Constituição Federal de 1988).
(Este documento foi produzido em 2009 e adaptado para o Seminário da Comissão de Assistência Social/OAB/SC, denominado: O PAPEL DO ADVOGADO NO SUAS E SUA ATUAÇÃO NA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR NOS SERVIÇOS DO CREAS – Data: 13/08/2014 – Auditório OAB/SC)
1. SUAS: Sistema Único da Assistência Social.
2. CRAS: Centro de Referência da Assistência Social
3. CREAS: Centro de Referência Especializado da Assistência Social
4. Limitações para acesso a Advocacia Dativa e Defensoria Pública. Há que se considerar que os critérios socioeconômicos, embora restritos, vêm sendo utilizados para classificar os usuários em situação de pobreza ou de extrema pobreza. No nosso entendimento, será possível, a partir desta classificação pela limitação econômica, definir o público usuário pelo qual o ajuizamento se possa fazer pelo CREAS, para imediato restabelecimento do direito de usuário.
5. O termo ‘dativo’ é utilizado para designar defensor nomeado pelo juiz para fazer a defesa de um réu em processo civil ou criminal, quando a pessoa não tem condições econômicas de contratar ou constituir um defensor. É utilizado em comarca onde não há defensores públicos ou não há em número suficiente para a demanda.
6. Defensoria Pública incumbe, em regra, prestar assistência jurídica integral e gratuita às pessoas que não podem pagar pelos serviços de um advogado, sendo a defesa dos financeiramente hipossuficientes sua função típica. O Defensor é um agente político de transformação social. Não integra a advocacia, pública ou privada, e tem independência funcional no exercício de sua função.
7. Judicialização. A vida e a dignidade são bens fundamentais do ser humano e devem ser protegidos. A NOB/RH/SUS estabeleceu o Advogado (e não o Bacharel) como membro da equipe do CREAS. Exige-se, portanto, do Advogado, uma conduta que não só contribua para a prevenção e promoção da inclusão social dos usuários, mas também para o pronto restabelecimento do direito ameaçado ou violado. Assim, compete ao Advogado aquilatar, com a sua consciência, o grave e iminente perigo em que possa se encontrar a pessoa do excluído. E ao aquilatar, é de se exigir dele uma conduta positiva, que o obrigue a fazer algo para alterar positivamente a situação que lhe está posta. Nesta conduta está presente o seu dever moral de encontrar a solução mais adequada, seja ela no âmbito administrativo, jurídico-administrativo ou tão só judicial. E, algumas vezes, a solução mais adequada pode ser aquela da judicialização da causa, até como medida cautelar – preventiva, para que os valores que a sociedade elegeu como de fundamentais venham a ser protegidos. No nosso entendimento, a judicialização é medida admissível ao Advogado do CREAS, desde que caracterizada a ausência de acesso do usuário a advocacia dativa ou defensoria pública. E a conduta do Advogado deve ser entendida como a última ratio, para que não se torne a prima ratio na resolução dos conflitos – ou seja, para que não se crie condições para a violência institucionalizada do Direito -, embora algumas vezes se torne necessária a sua ameaça de potencial sanção como último recurso para restabelecer o direito.
8. Em didática definição, André Ramos Tavares conceitua direitos sociais como direitos “que exigem do Poder Público uma atuação positiva, uma forma atuante de Estado na implementação da igualdade social dos hipossuficientes. São, por esse exato motivo, conhecidos também como direitos a prestação, ou direitos prestacionais”. – In: TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 10ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 837. José Afonso da Silva, em Curso de Direito Constitucional positivo, propõe a divisão dos direitos sociais em: i) relativos aos trabalhadores; ii) relativos ao homem consumidor. Na primeira classificação, isto é, direitos sociais do trabalhador, se têm os direitos relativos ao salário, às condições de trabalho, à liberdade de instituição sindical, o direito de greve, entre outros (CF, artigos 7º a 11). Na segunda classificação, ou seja, direitos sociais do homem consumidor, desponta o direito à saúde, à educação, à segurança social, ao desenvolvimento intelectual, o igual acesso das crianças e adultos à instrução, à cultura e garantia ao desenvolvimento da família, que estariam no título da ordem social.
9. Embora o Direito, o Serviço Social e Psicologia possuam acúmulo teórico-político diferentes, é na prática do cotidiano, mediante a pessoa dos profissionais, que instrumentos como o diálogo e alteridade farão diferença, aliando à reflexão crítica, formas de convivência ideológicas; formas de compreensão dos aspectos objetivos e subjetivos inerentes ao convívio e à formação do indivíduo e coletividade; e, das circunstâncias que envolvem as diversas situações que se apresentam ao trabalho profissional.
10. Este é o nosso entendimento pessoal, defendido desde 2009.
11. PROTOCOLO DE GESTÃO DO CREAS: Referenciais Teóricos e Operacionais. In: www.fas.curitiba.pr.gov.br/baixarMultimidia.aspx?idf=7676
BIBLIOGRAFIA
1. Protocolo de Gestão do CREAS: Referenciais teórico-operacionais (versão preliminar outubro de 2011). Prefeitura Municipal de Curitiba. Vol. 1.
2. Parâmetros para atuação de assistentes sociais e psicólogos(as) na Política de Assistência Social. Brasília. CFESS. 2007.
3. Manifesto da Comissão da Criança e do Adolescente OAB/SC.17/12/2014.
4. Papel do Advogado no SUAS – Comissão Assistência Social/OAB/SC – 2014.
5. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social de 2012 (NOB/SUAS).