Cidadania Gestão Idoso

Formulação de Políticas Públicas e Controle Social.

Helio Abreu Filho
Advogado, Administrador , Sanitarista e Mestre em Adm. Pública.

O Conselho do Idoso é um espaço institucional em que o povo, por intermédio das entidades representativas, paritariamente, participa de deliberações em políticas públicas específicas (idoso) e exercita o controle das ações de atendimento.

Estes espaços institucionais públicos estão previstos como locus de mediação e não como de cooptação ou de dissensão. Busca-se nos conselhos a explicitação de conflitos estruturais e a construção de consensos mínimos.

É bom observar que a mediação não deve pretender determinar quem está certo ou quem está errado, quem ganha ou quem perde, mas tende a estabelecer uma solução sensata e justa, em função dos direitos dos idosos ameaçados ou violados.

Assim, para que este processo deliberativo transcorra de forma harmoniosa, como requer o termo ‘conselho’ – ‘consenso’, é básico que se atendam a duas regras: (a) a democratização da informação para todos os envolvidos; (b) a adequada utilização da força das argumentações. A primeira determina que todos devem divulgar, entre todos, os dados e as informações disponíveis. A segunda regra refere-se ao emprego comedido de dramatizações e exacerbações e o cuidado para se evitar a utilização de dados estatísticos direcionados a interesses pessoais.

Fundamentos da Participação Popular

A doutrina do pluralismo passou a se firmar como princípio da democracia de poder aberto que enraíza a liberdade na estrutura social, em contraposição aos regimes coletivistas, monolíticos e de poder fechado.

A sociedade moderna é pluralista pois se compõe de uma pluralidade de categorias sociais, de classes, de grupos sociais, econômicos, culturais e ideológicos.

E as evidências do pluralismo da sociedade está no pluralismo de opiniões entre os cidadãos, na liberdade de reunião – onde podem ser sustentadas opiniões não ortodoxas -, na liberdade de associação e na pluralidade de partidos políticos (art.1o, V, da CF).

A Constituição Federal, ao optar por um Estado Democrático de Direito, também optou por uma sociedade pluralista que garante a convivência de grupos conflitivos e de interesses contraditórios e antagônicos. A luta que o pluralismo trava possui duas frentes: uma contra a concentração de todo o poder no Estado; outra, contra o atomismo.

Poderíamos dizer que o pluralismo corresponde à existência, no seio da sociedade, de centros autônomos de produção jurídica, entendendo-se que as normas deles oriundas possuem a mesma natureza das emanadas pelo Estado, com a diferença de que as do último são dotadas de mais intensa positividade. O aspecto de maior relevância do pluralismo é, pois, a negação da exclusividade normativa do Estado. Coloca-se assim, o pluralismo em contraposição frontal ao monismo jurídico, concepção segundo a qual goza o Estado de monopólio da decisão jurídicaii.

Desaparece, pois, no Estado Moderno, o poder estatal pleno e a atividade política da sociedade civil se consolida através dos partidos, mas não só por decorrência deles. Atualmente, também empresas privadas e públicas, sindicados e, mais recentemente, os Conselhos com seu direito de decidir, vêm atingir diretamente toda a comunidade.

Um processo de avaliação do Estado Moderno passa, necessariamente, pela abordagem da distribuição do poder nos aspectos jurídico-formal e sociológico dentro da comunidade, com a percepção da influência das organizações comunitárias que procuram ampliar interesses individuais e dos interesses das comunidades organizadas em centros de poder.

Poder aqui tem significado de impulso governamental ou poder governamental, porque tal poder é titularizado pelos detentores do mando. Esse poder político emana do povo e é captado pelo governo e, agora, também pelas organizações representativas que o exercem em nome do povo (art.1o. c/c 204 da CF).

A soberania, embora pertença ao povo, emana do Estado-pessoa que é aquele que representa o povo no mundo do Direito. E o povo só poderá exercer esta soberania nas formas e limites previstos na Constituição, como no caso da formulação de políticas e controle social do Estado, que se viabiliza via entidades representativas de participação popular, os Conselhos.

Os constituintes optaram por um modelo de democracia representativa que tem como sujeito os partidos políticos (sujeitos principais) e institutos de participação direta dos cidadãos no processo decisório governamental. Daí decorre que o regime assume uma forma de democracia participativa na qual encontramos a participação por via representativa ou por via direta. A participação por via representativa se dá mediante representantes eleitos (arts.1º, 14 e 17, da CF); associações (art.5º, XXI, da CF); sindicatos (art.8º, III, da CF); empregados (art.11, da CF); e escolha de organizações de assistência social (art. 1º, parágrafo único c/c art.204, II, da CF).

A participação por via direta do cidadão se dá pelo exercício direto do poder, através da iniciativa popular, do referendo e do plebiscito; pela participação de trabalhadores e empregados na administração (art.10, da CF); pela participação na administração da justiça pela Ação Popular; pela participação da fiscalização financeira municipal (art.31, § 3º, da CF); participação na gestão da seguridade social (art.194, VII, da CF); participação na administração do ensino (art.206, VI, da CF); e, ainda, participação da comunidade através dos Conselhos Tutelares (agentes públicos), conforme a Lei Federal N. 8.069, de 13 de julho de l990.

A Constituição Federal incorpora ao modelo de democracia representativa os princípios da justiça social e do pluralismo. Assim, o modelo democrático brasileiro é o da democracia social, participativa e pluralista.

Conclui-se, por inferência, que as deliberações geradas em processos de participação por via representativa ou por via direta têm idêntica valoração porque estão asseguradas constitucionalmente. Assim, configuram-se os Conselhos em centros autônomos de produção normativa, possuindo a mesma natureza das normas emanadas pelo Estado, que são jurídicas.

Competência Normativa3

As políticas públicas voltadas ao atendimento dos direitos sociais são orientadas pela Constituição Federal, pelas Constituições Estaduais, pela lei e seus decretos regulamentadores, pelas normas oriundas de órgãos de execução ou coordenação e pelas deliberações de órgãos colegiados.

Nesta competência de formular políticas públicas através da expedição de Resoluções ou de subsidiar a legislação que as institui, o Conselho deve observar a hierarquia das leis e a competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre procedimentos em matéria processual e, da esfera federal, para deliberar sobre normas complementares (art.204, I, da CF).

O Conselhos de Direitos são autorizados para prescrever normas discricionárias ou interpretativas de aplicação geral e com força de lei, bem como, declarar as condições em que devem ter aplicação certas leis (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Orgânica da Assistência Social, Lei Orgânica da Saúde).

Estas normas complementares traduzem-se em Resoluções, que indicam diretrizes e princípios norteadores de políticas públicas não regulamentadas, e, em Instruções, que detalham melhor as condições para o cumprimento das disposições legais, servindo de orientação e esclarecimento às leis, normas e regulamentos. Neste último caso, temos o estabelecido pela Lei Orgânica da Assistência Social, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, pelo Estatuto do Idoso, que determinam a regulamentação da prestação de serviços públicos e privados de assistência social, mediante instrução do Conselho.

É por meio destas normas complementares que se vai desdobrando a atividade legislativa e se vão atendendo os casos particulares não previstos em lei. Isto porque os temas das leis possuem caráter geral, não se prestando a casuísmos.

Nasce da discussão deste tema a questão da competência concorrente para enunciar, disciplinar, regrar políticas em curso ou as omissões das políticas públicas.

Em razão do pacto federativo (arts. 1o, 18, 60, § 4o, I, da CF), a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, são entes autônomos e independentes entre si. Os princípios da autonomia e da participação política são a essência do Estado Federal. A

autonomia caracteriza-se pelo poder de auto-organização e normatização própria; autogoverno e autoadministração. Já a participação política consiste na ingerência da vontade dos Estados na formação da legislação federal, na constitucionalidade das leis e no poder de emendar a Constituição e sabatinar Ministros de Estado.

Isto impõe à União competência sobre assuntos mais gerais e aos Municípios assuntos locais. Ao Estado-Membro compete tudo o que não se enquadra dentro da competência da União, bem como, aquilo que não pertence à esfera puramente local (competência remanescente).

Não se quer afirmar que o Estado-Membro não possa legislar sobre tudo que disser respeito às normas gerais, de competência da União, ou ainda, preencher lacunas da legislação federal ou atender a características que lhe sejam peculiares (competência suplementar). Porém, onde o poder deliberativo (e aqui aplica-se, por analogia, aos Conselhos) vier a contradizer as regras editadas pela legislação federal, a lei estadual, se anterior à lei federal sobre normas gerais, está revogada ou derrogada no que lhe for contrário; se posterior, peca por inconstitucionalidade ou ilegalidade, conforme o caso.

Em nível federal se expedem normas gerais, mas as regras específicas e de execução cabem ao nível estadual e municipal. Salienta-se, contudo, que em nível dos Estados tanto quanto da União interessam os aspectos positivos e preventivos, de tal modo que existe uma competência concorrente supletiva por parte dos Estados (ou em nível dos Estados) para legislar sobre situações relacionadas com o mesmo tema.

É importante ressaltar que, para se configurar o vazio que possa ser preenchido supletivamente pela legislação estadual, é preciso que não haja legislação federal abordando o tema na sua especificidade. O sentido de legislação engloba não somente as leis mas também os diferentes atos normativos (decretos, regulamentos, instruções, resoluções, …) que emanam da Câmara Federal, Assembleias Legislativas, Câmara de Vereadores, (…). Conselhos, entre outros.

Assim por exemplo, a Constituição Federal estabelece que aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos. O Estatuto do Idoso estabelece as diretrizes e orienta a forma de operacionalização deste direito. Contudo, no caso das pessoas na faixa etária entre sessenta e sessenta e cinco anos, o Estatuto deixa a critério da legislação local dispor sobre as condições para o exercício da gratuidade. Ora, em não havendo manifestação da autoridade local, o Conselho Municipal do Idoso poderá definir diretrizes, bem como pronunciar-se sobre a forma pela qual o direito será garantido, além de estabelecer o perfil dos idosos cujo acesso será priorizado pelo programa.

Como se dá o processo de deliberação4

É básico o entendimento de duas regras nos processos deliberativos que preveem a participação de todos os envolvidos: a democratização da informação e a força das argumentações.

A primeira determina que todos devem divulgar, entre todos, os dados e as informações de temas que estão sendo objeto de discussão e deliberação. Há que haver uma conscientização de toda a problemática antes da deliberação.

Isto não quer dizer que todos devem ser favoráveis a uma determinada posição, mas sim, que todos tenham clareza do que estão discutindo. As divergências são benéficas, mas não devem levar a dissensões.

A segunda regra tem a ver com a força das argumentações no grupo. As dramatizações e a exacerbação no emprego da linguagem devem ser evitadas. Isto não quer dizer que não possamos utilizar as estatísticas, que nos tocam com intensidade diferenciada, para mostrar a violência de um contexto sobre os direitos sociais, mas os argumentos devem ser racionais, respaldados, quanto possível, em números, pareceres, depoimentos, e transcorrendo em ambiente calmo e sereno.

Os apartes devem ser concisos e raros para evitar a perda ou prejuízo do raciocínio estabelecido pelo argumentador em posse da palavra.

A função do coordenador passa a ser exigida para evitar a persistência de posições vazias, dissensões, e buscar aclaramento do que sejam as argumentações e contra argumentações, para poder levar o grupo ao conhecimento e convencimento da situação-problema.

A capacidade de negociação e de diálogo do grupo deve ser mantida a par das posições antagônicas que possam demonstrar os demais membros. Deve o grupo buscar sempre o consenso nas suas decisões, muito embora permaneçam posições contrárias ao entendimento da maioria.

Conteúdo da política formulada

A deliberação no Conselho, procedida na forma anteriormente definida, pode ter a finalidade de encaminhar soluções às demandas sociais insatisfeitas, decorrentes de direitos sociais violados (ou em risco de), por ação ou omissão da família, da sociedade ou do Estado.

O conteúdo destas deliberações, que são redigidas na forma de Resoluções, Instruções, (…), estabelece os princípios, diretrizes, linhas de ação e prioridades na área do atendimento e garantia de direitos, da prevenção, da promoção e da proteção.

Antecede a este momento deliberativo a realização do diagnóstico social da comunidade (necessidades sociais e programas para atendimento da demanda), como também a identificação de estudos, pareceres e depoimentos que sustentem a discussão e oportunizem caminhos para a deliberação.

A deliberação pode se traduzir em recomendações para melhoria de programas voltados ao atendimento dos direitos sociais ou em enunciados contendo a concepção de novos serviços públicos (a serem gerenciados por organizações governamentais e não-governamentais), no caso de constatada esta ausência de políticas pelo setor público responsável (Saúde, Educação, Trabalho, Assistência Social, …).

Assim, por exemplo, na questão de maus-tratos, o Conselho poderá expedir uma Resolução que tenha no seu conteúdo a definição de uma política específica para atender esta omissão do atendimento, que deve ser de iniciativa do Estado.

Não se deve esquecer que o Conselho é órgão público e, como tal, seu pronunciamento deve ser considerado diretriz para todos os demais órgãos, não dependendo o cumprimento de suas deliberações apenas da força coercitiva decorrente da lei.

A Resolução do Conselho Estadual deverá conter, basicamente, os seguintes elementos:

1. Determinação:

Exemplo: o Estado-Membro, em parceria com os Municípios – deve criar programas de atendimento psicossocial aos idosos vitimizados, aos vitimizadores e às suas famílias).

Fundamentação:

Exemplo: Estatuto do Idoso (arts.4º, 10, 16, 19, 45, III) – Constituição Federal (arts.24, XII, XIII; 226, § 8º; 229, 230)

2. Diretrizes: (o atendimento deverá ser gratuito a todos que dele necessitem, prevista a parceria com ONG’s interessadas)

3. Princípios: (tomar a família como alvo de atenção; o idoso só deve ser afastado do lar em casos severos; envolvimento do serviço social e psicologia)

4. Linhas de Ação:

4.1 eliminação de todas as formas de abandono, abuso e violência contra idosos, tendo como medidasv: promulgar leis específicas e tomar medidas legais; Sensibilizar os profissionais e educar ao público em geral; promover a cooperação entre o governo e a sociedade civil; estimular que se continue pesquisando as causas; (…)

4.2 criação de uma rede de serviços de apoio e de vigilância, para atender aos casos de aos maus tratos em todas as comunidades, tendo como medidasvi: criação de serviços para vítimas e procedimentos de reabilitação de quem os cometem; estimular a denúncia junto a comunidade e serviços públicos; incluir a capacitação das profissões assistenciais a forma de encarar os casos; criar programas de informação pra prevenir aos idosos de fraude contra os consumidores;

4.3 adequação dos currículos escolares para conscientizar aluno de seus deveres para com a Sociedade e para com os idosos;

4.4 possibilitar a formação de um grupo de consultores;

4.5 constituir um acervo de publicações e pesquisas;

4.6 orientação sobre estratégias alternativas para contornar dificuldades de relacionamento entre membros da família;

4.7 realização de Eventos sob orientação de especialistas;

4.8 envolvimento de lideranças comunitárias.

(Este texto foi produzido em 1996 com foco no ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, sendo adaptado para Comentários sobre o Estatuto do Idoso/Org.: Hélio Abreu Filho [et al.]. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2004. 154 p.)
i Paridade significa dizer que metade da representação no conselho é oriunda de representantes das entidades governamentais e metade é representante da sociedade civil organizada. ii In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 1983, vol. LXXVIII, pp. 56 e 57. iii Apontamentos extraídos de: LIBERATI, Wilson D. & CYRINO, Públio C. B. Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Ed. Malheiros. 1993. SP iv Articulações extraídas de artigo xerocopiado, autor desconhecido. v In: Plano de ação internacional sobre o envelhecimento, 2002/ONU, 18ª ed., p.71 e 72 vi Op. Cit., p.71 e 72
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